Biodiversidade Ideias fundamentais Sem categoria 9 de agosto de 2023, 15:52 09/08/2023

Até os super-heróis precisam de ajuda às vezes: três histórias incríveis de simbiose microbiana 

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma mulher de óculos de mergulho no fundo do oceano observando a vida marinha.

Resumo

Quer você esteja olhando para uma cidade superpovoada, um deserto remoto ou o fundo do oceano, irá encontrar coisas interagindo umas com as outras. Quando uma interação persiste por muito tempo, ela é chamada de simbiose. Aqui, exploramos três exemplos diferentes de simbiose estrelados por super-heróis! Primeiro vamos mergulhar no oceano e contar a história de uma lula que tem o superpoder de se acender como uma lanterna no escuro. Em seguida, viajaremos para as árvores da Austrália, onde você encontrará parceiros de super-heróis que ajudam seus amigos coalas peludos a digerir veneno. Por fim, esteja preparado para encontrar um vilão que está ameaçando sapos ao redor do mundo. O que torna esses exemplos especiais é que um dos seres vivos em cada simbiose é tão minúsculo que só conseguimos vê-lo ao microscópio! Esses organismos, chamados micróbios, são tão importantes quanto os animais e plantas que podemos ver.

Super-heróis, parceiros e vilões

Imagine que você queira escrever uma história em quadrinhos de super-heróis. Obviamente, vai precisar do super-herói, da estrela do show. E de quem mais? Sem dúvida, de um parceiro, de alguém que ajuda o herói; das pessoas que é preciso salvar; e de um vilão a ser derrotado. 

Em biologia, as relações entre os super-heróis e cada um desses personagens (o parceiro, as pessoas a serem salvas e o vilão) são chamadas de “simbiose”. A vida na Terra está repleta de simbioses de vários tipos e podemos vê-las por todos os lados. Você consegue lembrar de alguma agora mesmo? No caso do super-herói e do seu parceiro que sempre se protegem um ao outro, tal tipo de simbiose é chamada de “mutualismo”, o que é uma maneira elegante de dizer que “um ajuda ao outro”. Quando o super-herói salva alguém que está em apuros, dizemos que a simbiose é um “comensalismo”, do qual apenas uma das partes se beneficia. Quando os vilões prejudicam os outros, ao mesmo tempo em que se ajudam mutuamente, a simbiose recebe o nome de “parasitismo”. 

Nós estamos constantemente interagindo com outros organismos. Essas interações incluem a família, os professores, os amigos e os animais de estimação, mas também os trilhões de seres vivos invisíveis, chamados micróbios, que vivem dentro e sobre nossos corpos. Nunca percebemos a maioria desses micróbios, mas estão por toda a superfície ao nosso redor. Alguns facilitam nossas vidas (parceiros), enquanto outros podem nos deixar doentes (vilões). 

Agora vamos apresentar a você três super-heróis e explorar suas relações com os micróbios que vivem ao seu redor (Figura 1). O primeiro exemplo descreve um emocionante mutualismo onde os super-heróis e seus parceiros se unem para iluminar a escuridão. Depois, virá um exemplo de micróbios que moram dentro de um animal australiano adorável: o urso coala. A maioria dos micróbios da barriga fica por aí e ninguém percebe – um caso típico de comensalismo; mas você conhecerá uma dessas pequenas criaturas que pode ajudar os coalas a comer veneno! Nosso exemplo de parasitismo, o de um micróbio terrível que nada em água doce tentando matar sapos, com certeza vai lhe dar calafrios. Mas não se preocupe, há um novo parceiro em cena que pode ajudar os sapos a derrotar esse vilão. 

Figura 1. As simbioses dos três super-heróis. Vemos aqui nossos três super-heróis (lula, coala e sapo) interagindo com amigos e inimigos microbianos (numerados acima). Setas azuis indicam o organismo que se beneficia do relacionamento (comensalismo ou mutualismo) e setas vermelhas indicam o organismo que é prejudicado (parasitismo). 

Você tem medo do escuro? As lulas também!

Imagine possuir uma lanterna embutida que você pode acender quando estiver com medo. Assim é a vida da lula-sem-cauda havaiana, Euprymna scolopes; mas, em vez de uma lanterna, ela tem um órgão em sua barriga que abriga um micróbio brilhante chamado Vibrio fischeri [1]. A lula pode dizer ao Vibrio no órgão para acender, assim como pressionamos um botão para acender uma lanterna. Você consegue pensar em um bom motivo para que a lula queira fazer isso? Os cientistas descobriram que ela aciona a luz para não se tornar um lanchinho no meio da noite! Quando a lula acende a lanterna que tem embutida na barriga, grandes criaturas famintas do fundo, ao olharem para cima, pensarão que aquela luz é a lua. Outras, olhando do alto, não verão nada porque a luz do Vibrio faz com que a lula não tenha sombra.

Quando brilha como uma lanterna, o Vibrio está essencialmente dando à lula o poder de se tornar invisível! A essa relação entre a lula e o brilhante Vibrio, os cientistas chamam de mutualismo, que é apenas outra maneira de descrever os heróis e parceiros da vida real. A lula e o Vibrio chegam a um bom acordo! A lula agora tem o poder de se esconder das criaturas assustadoras que querem comê-la e o Vibrio ganha um lugar aconchegante para morar, além de toda a comida que quiser ao viver dentro do órgão de luz do hospedeiro. 

Agora você pode estar se perguntando: como, afinal, o Vibrio se torna o parceiro da lula? As lulas não nascem com seus parceiros brilhantes, então precisam vasculhar a água do mar a seu redor para encontrá-los. Apanham o Vibrio em uma armadilha especial, semelhante a um muco na parte externa da sua barriga, que também serve para impedir a entrada de outros micróbios que podem ser vilões. Depois que a lula encontra seu companheiro, o Vibrio brilhante se move da armadilha pegajosa para o órgão de luz na barriga da lula e a partir daí vai ajudá-la a se manter invisível para os vilões que a aguardam nas profundezas. 

Aceita um veneninho para o jantar? Sim, por favor!

Você já imaginou comer a mesma comida durante a vida inteira? Que tedioso! Agora imagine se essa comida fosse venenosa. Credo! Pois os coalas fazem exatamente isso: comem folhas de eucalipto todo dia. As árvores de eucalipto têm, em suas folhas, venenos que a maioria dos animais evita comer. Mas os coalas não! Eis uma característica legal de um super-herói!

Mas como esses animais podem sobreviver apenas com folhas venenosas? Bem, existem micróbios especiais na barriga dos coalas que trabalham muito para quebrar as partes venenosas das folhas em pedaços menores, que não possam intoxicá-los. A maioria dos micróbios na barriga do coala fica por ali, num bom exemplo de comensalismo. Isso significa que esses micróbios não ajudam a quebrar os venenos, mas também não prejudicam os coalas. Um importante parceiro no combate aos venenos é o Lonepinella koalarum, um micróbio capaz de quebrar as folhas, e que forma um mutualismo com os coalas [2]. Os cientistas estão ainda estudando esses micróbios que servem como “parceiros” para seus “super-heróis” coalas. 

O Lonepinella e outros micróbios potencialmente destruidores de veneno na barriga do coala são tão importantes para a sobrevivência desses animais que ele os dá para seus filhotes. Como? Você adivinhou! Esses filhotes comem cocô! Eca, que nojo! Isso acontece quando o filhote ainda é muito pequeno e vive dentro da bolsa da mãe. Ele rasteja para fora da bolsa para comer um cocô especial. Os cientistas acreditam que os filhotes fazem isso para apanhar todos os “parceiros” inimigos de toxinas presentes no cocô da mãe. Assim, os micróbios passam do cocô da mãe para a barriga do filhote, se instalam ali e se preparam para o trabalho! 

Há um vilão à espreita em uma lagoa perto de você?

Você já teve uma infecção por causa de um corte na pele? As infecções de pele começam quando certos micróbios decidem crescer em seu corpo e não deixar que você se cure! Embora a maioria dos micróbios não cause problemas para animais e plantas, alguns se comportam como vilões na natureza. Exemplo: um micróbio que ataca anfíbios na pele e faz com que eles fiquem doentes é o vilão conhecido como Batrachochytrium dendrobatidis (Bd, para abreviar), que nada em lagos e riachos até encontrar um sapo ou salamandra e se prender à sua pele. Esse é um exemplo de parasitismo porque os anfíbios são prejudicados enquanto o micróbio vilão consegue crescer e se reproduzir.

Os anfíbios usam a pele para respirar e absorver nutrientes importantes, de modo que, quando o Bd cresce em toda a sua pele, enfraquece o animal e este começa a sufocar. O animal tentará revidar trocando de pele e liberando substâncias na camada de muco epidérmica, mas muitas vezes isso não é suficiente para se livrar do vilão [3]. 

A doença induzida pelo Bd já matou toneladas de anfíbios no mundo inteiro e isso afeta a todos nós. Se todos os sapos e salamandras desaparecerem, então a Terra estará em apuros. Por exemplo, os anfíbios comem um bocado de insetos, tais como mosquitos irritantes, que podem se tornar um problema real se proliferarem. Essa é apenas uma das razões pelas quais é importante para os cientistas descobrir como ajudar a salvar os anfíbios antes que o Bd elimine um número ainda maior de sapos. 

Recrutamento de novos parceiros para as batalhas que virão

Pesquisas científicas nos ajudaram a aprender muito sobre micróbios que podem agir como parceiros para nos proteger dos vilões.

Por exemplo, o micróbio Janthinobacterium lividum ajuda a proteger os anfíbios do Bd. Os anfíbios usam substâncias em sua pele para manter longe certos micróbios e encorajar o crescimento de parceiros como o J. lividum. Isso fornece ao J. lividum um lugar agradável e rico em nutrientes para viver. Em troca, ele pode proporcionar benefícios para os anfíbios. Um desses benefícios é que, quando luta com o Bd na pele do anfíbio, ele o mata e salva o animal de ficar doente [4]. Poderíamos salvar os anfíbios introduzindo mais parceiros de super-heróis em sua pele? Talvez! Há muitos cientistas tentando verificar isso agora, estudando as batalhas entre heróis e vilões, e o importante papel que os parceiros desempenham. Os cientistas podem usar seu conhecimento de simbiose para ajudar a manter as plantas e animais (incluindo nós!) saudáveis. 

Glossário

Simbiose: Relacionamento íntimo e a longo prazo de dois ou mais organismos. 

Mutualismo: Tipo de simbiose em que ambos os organismos se beneficiam de sua interação.

Comensalismo: Tipo de simbiose em que um organismo se beneficia, mas o outro não é afetado por sua interação. 

Parasitismo: Tipo de simbolismo em que um organismo se beneficia, mas o outro é prejudicado por sua interação. 

Micróbios: Seres vivos minúsculos, como as bactérias e os fungos, que são invisíveis a olho nu. 

Anfíbios: Grupo de animais, incluindo sapos e salamandras, que tipicamente passam parte de sua vida na água e parte na terra. 

Referências

[1] McFall-Ngai, M. e Ruby, E. 1991. “Symbiont recognition and subsequent morphogenesis as early events in an animal-bacterial mutualism.” Science 254:1491–4.  DOI: 10.1126/science.1962208.

[2] Goel, G., Puniya, A. K. e Singh, K. 2007. “Phenotypic characterization of tannin-protein complex degrading bacteria from faeces of goat.” Small Rumin. Res. 69:217–20. 

[3] Rollins-Smith, L. A., Ramsey, J. P., Pask, J. D., Reinert, L. K. e Woodhams, D. C. 2011. “Amphibian immune defenses against chytridiomycosis: impacts of changing environments.” Integr. Comp. Biol. 51:552–62. DOI: 10.1093/icb/icr095.

[4] Becker, M. H., Brucker, R. M., Schwantes, C. R., Harris, R. N. e Minbiole K. P. C. 2009. “The bacterially produced metabolite violacein is associated with survival of amphibians infected with a lethal fungus.” Appl. Environ. Microbiol. 75:6635–8. DOI: 10.1128/AEM.01294–09. 

Citação

Ettinger, C., Wilkins, L., Dahlhausen, K., Ghose, S., Oberbauer, D., Eisen, J. e Coil, D. (2018). “Even superheroes need help sometimes: three incredible tales of microbial symbiosis.” Front. Young Minds. 6:50. DOI: 10.3389/frym.2018.00050. 

Encontrou alguma informação errada neste texto?
Entre em contato conosco pelo e-mail:
parajovens@unesp.br