Mover-se é mais complicado do que você pensa
Autores
François Hug, Kylie Tucker, Taylor J. M. Dick
Jovens revisores
Resumo
Um atleta correndo. Uma criança pegando um doce. Um professor falando. Um homem comendo. O que todas essas pessoas têm em comum? Elas estão produzindo movimentos, muitas vezes sem sequer pensar neles. Mover-se parece fácil. Mas, e talvez você se surpreenda, ainda há muita coisa para aprender sobre o modo como produzimos movimento. Produzir movimento é um processo complexo que envolve inúmeras estruturas do corpo. Você sabia que o ato de agarrar um doce exige que o seu cérebro envie impulsos elétricos para muitos músculos diferentes? Esses impulsos informam a cada um dos músculos quando, e até que ponto, ele deve se contrair. Os músculos precisam se contrair de modo coordenado, ou você não pegará seu doce preferido. O entendimento de como o movimento é produzido ajuda os médicos a tratar pessoas com distúrbios de movimento e também a desenvolver estratégias de treinamento para atletas.
O movimento é importante, mas sabemos pouco sobre ele (ainda)
Pense por um instante em ações que exigem movimento. Talvez lhe venham à mente movimentos relacionados ao esporte, como correr, agarrar ou chutar uma bola. O movimento é, com efeito, a chave para o sucesso em muitos esportes. Mas você pensou também em mastigar, escrever e falar? Essas também são ações que exigem movimento. Falar, por exemplo, permite a seu cérebro comunicar-se com o mundo. Quando o movimento fica comprometido, a saúde da pessoa se deteriora. Entender como o movimento é produzido tem sua importância porque ajuda os técnicos a desenvolver estratégias de treinamento para atletas e os médicos a tratar pacientes com distúrbios de movimento.
Você pode ficar surpreso, mas ainda há muito que aprender sobre o movimento. Por exemplo, criamos computadores capazes de resolver problemas de matemática muito mais rapidamente do que você. Mas ainda somos incapazes de construir um robô que se movimente tão bem quanto uma criança. Neste artigo, discutiremos o movimento voluntário, que é um movimento intencional. Os movimentos involuntários, como o reflexo de retirar a mão de um objeto quente, envolvem outro processo, do qual não falaremos. O movimento voluntário é um processo complexo que implica muitas estruturas do corpo humano. Você sabia que produzir movimentos voluntários exige o uso do cérebro, da medula espinal, dos nervos e dos músculos?
Produzir um movimento envolve muitas estruturas e processos
Suponhamos que você decida caminhar ou pegar um doce de um prato sobre a mesa. Para que qualquer dessas coisas aconteça, o cérebro deve enviar mensagens aos músculos corretos, ordenando-lhes que se contraiam. Depois de receber a informação correta, os músculos se contraem e puxam os tendões que os conectam aos ossos, os quais em seguida permitem que nossas articulações se movam. A Figura 1 mostra o processo para caminhar.
As mensagens enviadas do cérebro para os músculos são impulsos elétricos, chamados potenciais de ação. Esses potenciais de ação viajam ao longo de células nervosas que ficam dentro do cérebro e da medula espinhal, e também entre elas. As células nervosas que conectam a medula espinal aos músculos são chamadas neurônios motores, ou motoneurônios. Você sabia que existem dezenas de milhares de neurônios motores que conectam a medula espinal a cada músculo? E que cada músculo em seu corpo é feito de milhares de fibras musculares? Cada neurônio motor se conecta com um pequeno grupo de fibras musculares dentro de um músculo. Juntos, o neurônio motor e as fibras musculares constituem uma unidade motora.
O número de fibras musculares conectadas a cada neurônio motor pode variar. Por exemplo, os músculos usados para movimentos delicados, como piscar, têm apenas de 10 a 20 fibras em cada unidade motora. No entanto, os músculos que precisam produzir grandes quantidades de forças, como os necessários para chutar uma bola, podem ter mais de 1.000 fibras em cada unidade motora (Figura 2).
Quando os potenciais de ação do cérebro alcançam os músculos, os impulsos elétricos se espalham ao longo das fibras musculares. Isso faz com que as fibras musculares se contraiam. E quando elas se contraem e encurtam, os ângulos das articulações podem mudar. Por exemplo, algumas fibras musculares na parte de trás do braço precisam encurtar para que o ângulo do cotovelo aumente e você estique o braço a fim de alcançar o doce (Figura 2).
Mas a coisa é mais complicada! Se você precisasse ativar apenas um músculo para pegar o doce, o processo seria muito simples. Mas, para escolher o doce certo, terá de criar movimentos nas articulações dos dedos, pulso, cotovelo e ombros. Todos esses movimentos exigem o uso extremamente coordenado de muitos músculos. Pense nos remadores em um barco: se não remarem de forma coordenada, o barco não se move. É o mesmo com os músculos: o sistema nervoso precisa decidir quais usar, em que ordem e até que ponto. O funcionamento dos músculos é até mais complexo porque muitos podem desempenhar a mesma ação. Por exemplo, para fazer um movimento simples como dobrar o cotovelo, temos três músculos à nossa escolha. Podemos dobrar o cotovelo usando apenas um ou uma combinação dos três. Ou seja, há várias maneiras de usar os músculos para produzir um movimento.
Como podemos estudar o movimento humano?
Há muitas maneiras de combinar as ações de nossos músculos para produzir um determinado movimento. Mas por que escolhemos uma combinação específica de músculos entre as muitas soluções disponíveis? Para entender isso, precisamos de informações sobre a força produzida por cada músculo. Infelizmente, não podemos inserir sensores dentro dos músculos humanos para medir sua força. Portanto, devemos contar com outras ferramentas.
Como os músculos produzem força em resposta aos potenciais de ação que se espalham ao longo das fibras musculares, uma das maneiras de estudar quais músculos estão trabalhando juntos é medir a atividade elétrica gerada por esses potenciais de ação. Isso pode ser feito usando-se uma técnica chamada eletromiografia (Figuras 3A, B), que envolve a colocação de sensores chamados eletrodos na pele, sobre o(s) músculo(s) que queremos medir. Desse modo, registramos quando e até que ponto um músculo está ativo. Registramos também se o músculo trabalha próximo ao seu nível máximo, como quando os músculos de seus dedos estão segurando firmemente um galho de árvore para você não cair, ou operando abaixo do nível máximo, como quando os músculos de seus dedos estão segurando, mas não esmagando, uma joaninha delicada.
Informações sobre a atividade do músculo não bastam para fornecer uma completa compreensão do movimento. É importante também entender como as pessoas movimentam as diferentes partes de seus corpos. Por exemplo, até que ponto as articulações de seu joelho e tornozelo se movem à medida que você anda? Podemos registrar essas informações usando uma técnica chamada captura de movimento (Figuras 3C, D).
Você sabia que a captura de movimento também é usada na produção de filmes e no desenvolvimento de videogames para animar personagens? Na animação, os movimentos de pessoas reais são primeiro medidos usando-se a captura de movimento. Dezenas de marcadores reflexivos são colocados na pele. Em seguida, a posição desses marcadores é rastreada por câmeras enquanto a pessoa realiza diversos movimentos. Todas essas informações de movimento são usadas para animar as personagens digitais, para que seus movimentos se pareçam com movimentos humanos de verdade. A captura de movimento é usada de forma muito semelhante pelos pesquisadores para medir e descrever movimentos.
Você já reconheceu um amigo pelo andar?
O movimento exige que muitos músculos trabalhem juntos de forma coordenada. Mas todas as pessoas se movem exatamente da mesma maneira? Numa recente e emocionante descoberta, um computador foi capaz de reconhecer pessoas apenas pela forma como andam [1]! Os pesquisadores recrutaram 57 homens e mulheres saudáveis e colocaram 62 marcadores reflexivos na pele de cada um. Em seguida, usaram a captura de movimento para medir os movimentos corporais dos voluntários enquanto caminhavam. Por fim, usaram um software de aprendizado de máquina, que funciona um pouco como o software que reconhece rostos e impressões digitais nos celulares novos.
Esse software de aprendizado de máquina foi elaborado para reconhecer o estilo de caminhada de cada voluntário. Depois da fase de treinamento, os pesquisadores observaram que o software era capaz de reconhecer cada participante apenas pelo modo como andava. Então, se perguntaram se nós temos também maneiras particulares de usar nossos músculos [2]. Colocaram eletrodos em oito músculos da perna direita e descobriram que um programa de software de aprendizado de máquina poderia identificar cada pessoa com base em seus padrões de ativação muscular. Isso sugere que o modo como coordenamos nossos músculos para andar é algo único para cada um de nós – tanto quanto as impressões digitais!
Por que isso é importante?
Por que é útil saber que cada um de nós possui uma assinatura de movimento única? Primeiro, isso pode ajudar treinadores e terapeutas a personalizar programas de exercícios. Padrões de movimento únicos podem também ser usados para fins de identificação. Empresas estão desenvolvendo sistemas de segurança que reconhecerão uma pessoa apenas pelo modo como ela anda. O reconhecimento de rostos e impressões digitais exige que paremos para olhar em uma câmera ou para colocar um dedo no scanner. A vantagem do reconhecimento de movimento é que as pessoas não precisam parar. Portanto, esse tipo de tecnologia pode ser útil para acelerar a passagem por locais como postos de controle de segurança em aeroportos.
Dia virá em que você será reconhecido no aeroporto apenas pelo modo como anda, sem a necessidade de parar e mostrar seu passaporte. Mas não se preocupe, essa técnica ainda não foi desenvolvida e ninguém vai surpreendê-lo surrupiando aquele doce!
Glossário
Movimento voluntário: Movimento intencional.
Potencial de ação: Mudança no potencial elétrico devida à passagem de um impulso elétrico ao longo de um nervo ou de uma fibra muscular.
Neurônio motor: Nervo que conduz potenciais de ação aos músculos.
Unidades motoras: Um neurônio motor concectado a fibras musculares.
Eletromiografia: Técnica de gravação da atividade elétrica gerada como potenciais de ação, que viajam ao longo das fibras musculares.
Eletrodo: Substância que é boa condutora de eletricidade. Os eletrodos são usualmente adesivos com gel/pasta condutora que grudam na pele.
Captura de movimento: Técnica para acompanhar e gravar movimentos usando marcadores reflexivos, colocados na pele e acompanhados por câmeras.
Aprendizado de máquina: Aplicação da inteligência artificial que permite aos computadores aprenderem a partir de dados.
Referências
[1] Horst, F., Lapuschkin, S., Samek, W., Muller, K. R. e Schollhorn, W. I. 2019. “Explaining the unique nature of individual gait patterns with deep learning.” Sci. Rep. 9:2391. DOI: 10.1038/s41598-019-38748-8.
[2] Hug, F., Vogel, C., Tucker, K., Dorel, S., Deschamps, T., Le Carpentier, E. et al. 2019. “Individuals have unique muscle activation signatures as revealed during gait and pedaling.” J. Appl. Physiol. (1985) 127:1165–74. DOI: 10.1152/japplphysiol.01101.2018.
Citação
Hug, F., Tucker, K. e Dick, T. (2022). “Moving is not as simple as you may think.” Front. Young Minds. 10:626219. DOI: 10.3389/frym.2022.626219.
Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob os termos da Creative Commons Attribution License (CC BY). O uso, distribuição ou reprodução em outros fóruns é permitido, desde que o(s) autor(es) original(is) e o(s) proprietário(s) dos direitos autorais sejam creditados e que a publicação original nesta revista seja citada, de acordo com a prática acadêmica aceita. Não é permitido nenhum uso, distribuição ou reprodução que não esteja em conformidade com estes termos.
Encontrou alguma informação errada neste texto?
Entre em contato conosco pelo e-mail:
parajovens@unesp.br