Evolução 18 de maio de 2022, 19:01 18/05/2022

A evolução no interior de uma garrafa

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma mulher em um casaco de laboratório segurando um termômetro dentro de frasco contendo uma cultura de bactérias. O termômetro marca -80 graus célsius. Dentro do frasco bactérias animadas estão vestindo gorros e tremendo de frio.

Resumo

Evolução é o processo que provoca mudanças em seres vivos com o passar do tempo, permitindo-lhes adaptar-se a diferentes ambientes. A evolução criou a enorme diversidade de seres vivos na Terra. Usando bactérias, os cientistas estão investigando como a evolução funciona e estudando o DNA com suas mutações, bem como as principais causas das mutações que resultam na evolução. Por que estudamos as bactérias? Bem, porque elas são, provavelmente, os organismos mais bem-adaptados da Terra. Podem sobreviver nas condições mais inóspitas, mais extremas, de vulcões submarinos ao solo congelado do Alasca. Para a pesquisa, foi escolhida uma bactéria chamada Escherichia coli como objeto de teste em alguns experimentos fascinantes que vamos descrever neste artigo.

O que é evolução?

Nosso planeta abriga organismos microscópicos que vivem praticamente em todos os lugares: as bactérias. Há cerca de um bilhão de espécies de bactérias na Terra. Qual o motivo para tamanha diversidade de bactérias em nosso planeta? A chave é a evolução.

Essa palavra é usada para descrever mudanças em organismos que ocorrem ao longo de muitas gerações. Em 1831, o naturalista inglês Charles Darwin embarcou em uma viagem de cinco anos no navio de pesquisas britânico H. M. S. Beagle. Durante a viagem, ele observou padrões interessantes na distribuição e características de inúmeras criaturas vivas. Ponderou que essas características eram mudanças ocorridas para ajudar os organismos a se adaptar aos ambientes onde viviam (Figura 1). A viagem levou Darwin a conceber uma teoria da evolução na qual explicou que organismos vivos mudam a cada geração a fim de se adaptar às condições de seu ambiente e, com isso, sobreviver [1].

Figura 1: Viagem do H. M. S. Beagle. (A) Em 1831, o naturalista inglês Charles Darwin embarcou para uma viagem de cinco anos no navio de pesquisas britânico H. M. S. Beagle. O navio explorou numerosos lugares, mostrados no mapa pelos pontos vermelhos. As observações de Darwin sobre os organismos encontrados nesses lugares revelaram padrões na distribuição e características de muitos organismos, como tartarugas, tentilhões, mexilhões, ratos-cangurus e ornitorrincos, que fizeram Darwin refletir sobre a adaptação. (B) O exemplo mais famoso de adaptação descoberto por Darwin foi a grande diversidade de bicos nos tentilhões. Os bicos pareciam desenhados para comer determinados alimentos existentes nos locais onde as aves viviam. Trabalhando essas observações, Darwin chegou à teoria da evolução pela seleção natural.

Como a evolução acontece?

Uma grande pergunta provocada pela teoria de Darwin foi: como ocorreram as mudanças que ele observou? Hoje, sabemos que elas se devem às mutações. Estas são modificações ocorridas nos genes de um organismo. Os genes podem ser considerados instruções que todos os organismos vivos possuem. Todo gene é composto de uma combinação única de quatro moléculas chamadas nucleotídeos: adenina, citosina, guanina e timina. A ordem desses nucleotídeos, conhecida como “sequência genética”, determina a função de cada gene.

O conjunto dos genes de um organismo tem o nome de genoma. O genoma contém todas as informações codificadas de todas as características de um organismo, de modo que qualquer modificação em um ou mais nucleotídeos de um gene (chamada de mudança genética) pode perturbar traços do organismo, como a cor dos olhos, a altura ou a maneira de processar o alimento. Essa informação genética é herdada, isto é, passa de uma geração a outra.

Mutações nos genes podem ocorrer espontaneamente ou em resposta a fatores estressantes no ambiente; mas, não importa a causa, todas as mudanças são aleatórias [2]. O acúmulo de mutações após gerações pode ser benéfico, prejudicial ou inócuo para a sobrevivência. Darwin resumiu todos esses fatos em um conceito simples: seleção natural [1]. A seleção natural é o processo de lenta acumulação de mutações benéficas ao longo de gerações, fazendo com que os organismos se adaptem melhor a seus ambientes. Os organismos menos bem-adaptados terão mais dificuldade para sobreviver do que aqueles cujas mutações os ajudaram a se adaptar. Quando as mutações provocam mudanças significativas num organismo, podem produzir uma espécie nova [1].

As bactérias são ótimas para se estudar a evolução

A maneira clássica de demonstrar que as espécies mudam com o tempo é por meio do registro fóssil. Os fósseis revelam como a vida primitiva se formou e, quando existem em quantidade suficiente, é possível observar como se deu a evolução de um organismo. Todavia, se o registro fóssil estiver incompleto, não podemos constatar todas essas mudanças nem ter uma ideia de como o organismo evoluiu. A fim de solucionar esse problema, é mais fácil estudar a evolução diretamente, examinando todas as mudanças genéticas que acontecem em cada geração. Nesse caso, os pesquisadores precisam primeiro encontrar um organismo ideal para o estudo. As bactérias são uma escolha óbvia, pois não há dificuldade em cultivá-las em laboratório e elas se reproduzem com rapidez.

A Escherichia coli é uma bactéria amplamente estudada: habita o sistema digestivo dos humanos e outros animais de sangue quente (Figura 2). Apenas para comparar: se quiséssemos fazer uma experiência evolucionária com humanos, teríamos de esperar, em média, 26 anos para obter uma nova geração, ao passo que a E. coli produz uma geração nova em 20 minutos – menos tempo do que leva para uma pizza ser entregue! Além disso, como a E. coli tem um genoma pequeno, fica mais fácil e barato estudar as mudanças reais nos nucleotídeos que ocorrem em cada geração (Figura 2). Nas seções seguintes, descreveremos alguns experimentos realizados pelos cientistas usando a E. coli para estudar o processo de evolução em laboratório.

Figura 2. A E. coli é um organismo útil para experimentos de evolução. Há vários organismos comumente usados pelos cientistas para fazer experimentos de todos os tipos. Entre os mais populares, temos as plantas Arabidopsis thaliana, o roedor Mus musculus e o verme simples Caenorhabditis elegans. Contudo, para fazer experimentos sobre evolução, os cientistas precisam de um organismo com curto tempo de reprodução e genoma pequeno. A E. coli bacterium tem um tempo de reprodução de apenas 20 minutos! Essa rápida taxa de divisão e seu genoma pequeno tornam-na ideal para esses experimentos em laboratórios do mundo inteiro. Na figura, podem-se ver a taxa de reprodução e o tamanho do genoma (em “bp”, sigla inglesa que significa base pairs, “pares de base”) de humanos e outros organismos comumente usados para experimentos científicos.

Como as bactérias evoluem em resposta ao frio extremo?

Ao estudar a E. coli em laboratório, um grupo de cientistas quis entender como as bactérias conseguem se adaptar ao frio extremo. Para isso, imaginaram um experimento no qual a E. coli seria submetida ao frio extremo por longos períodos de tempo. O experimento consistiu de 150 ciclos de resfriamento a -80ºC por 22,5 h, seguidos de aquecimento até a temperatura ambiente por 1,5 h. Resultado? A E. coli não só sobreviveu… como evoluiu! Quando os cientistas estudaram o genoma dessas bactérias evoluídas, encontraram mutações que desativavam o gene responsável pela produção de cardiolipina, uma molécula que torna o revestimento externo da célula bacteriana resistente e rígido. Novas pesquisas revelaram que interromper a produção de cardiolipina ajuda a manter o revestimento fluido e flexível após o resfriamento, o que favorece a sobrevivência [3].

O estudo mais ambicioso sobre evolução

O estudo mais ambicioso sobre evolução foi realizado por um cientista de nome Richard Lenski. Lenski manteve a E. coli numa garrafa especial com um líquido (chamado meio de cultura) que continha alguns nutrientes (Figura 3).

Nesse meio de cultura, as bactérias cresceram rapidamente, mas também esgotaram os nutrientes quase no mesmo tempo. Em seguida, entraram num estado de “fome” por 24 horas, depois das quais algumas dessas bactérias esfomeadas e estressadas foram transferidas para outra garrafa com um novo meio e os mesmos nutrientes. Lenski repetiu o processo várias vezes. Após um longo período de tempo, o estresse experimentado pelas bactérias durante o processo provocou o surgimento de mutações e, consequentemente, a evolução da população bacteriana. O cientista e seus colaboradores iniciaram esse experimento sobre evolução a longo prazo (EELP) em 1988 e ele continua em andamento [4]. Hoje, após mais de 74 mil gerações, muita coisa interessante aconteceu.

Figura 3. O experimento sobre evolução a longo prazo (EELP), iniciado em 1988. Nesse caso, os cientistas utilizaram uma técnica chamada transferência serial, pela qual todos os dias, desde 24 de fevereiro de 1988, 1% de uma cultura de E. coli em garrafa é transferido para outro meio de cultura. Com o passar do tempo, mutações prejudiciais e benéficas são geradas. As benéficas resultam em adaptações que ajudam as bactérias a enfrentar as condições de fome enfrentadas diariamente. Esse projeto ainda não terminou. Hoje, após mais de 74 mil gerações, muito conhecimento foi obtido.

Os achados impressionantes do EELP

Uma das observações mais interessantes proporcionadas pelo EELP foi o notável e contínuo aumento da aptidão durante as primeiras 5 mil gerações (cerca de 2 anos).

Que significa isso? Significa que organismos com elevada aptidão se adaptam melhor ao ambiente e tendem a produzir mais descendentes em comparação com seus competidores menos dotados. Lenski observou que, durante os primeiros dois anos do experimento, mudanças genéticas surgiram em algumas bactérias, dotando-as de maior aptidão para se adequar ao ambiente e tornando-as predominantes na população [4]. Algumas bactérias se adaptaram tão bem ao ambiente que chegaram a perder certas funções que já não eram necessárias nas condições experimentais. Isso lembra o que aconteceu a certos animais após centenas de milhares de anos vivendo em escuridão absoluta, como nas cavernas. Eles desenvolveram uma adaptação pela qual os olhos se atrofiaram, pois não eram mais úteis no escuro.

Outro achado notável do EELP foi que, em um dos experimentos, a bem-adaptada população de E. coli não era a única: uma segunda população, menor, coexistia com ela porque desenvolvera a capacidade de se aproveitar do acetato, um produto residual da população dominante. Temos aqui algo semelhante à relação entre leões e animais necrófagos. Os leões devoram suas presas e os restos destas se tornam alimento para outros animais, como hienas e urubus.

Como dissemos, organismos que engendram mudanças genéticas e estruturais suficientes podem se transformar em uma espécie nova. Teria esse processo ocorrido no EELP? A E. coli possui certas características que a tornam E. coli e não outra espécie de bactéria. Entre essas características está a incapacidade de usar uma substância chamada citrato como fonte de alimento na presença de oxigênio. Fato surpreendente, os cientistas observaram que, depois de 31.500 gerações (mais de 12 anos), uma população de E. coli começou a usar o citrato como fonte de alimento [4]. O aperfeiçoamento da capacidade de usar citrato é excepcionalmente raro!

Como foi possível? Bem, a E. coli possui todos os genes necessários para consumir citrato, mas esses genes são desativados e só funcionam na ausência de oxigênio. Quando os cientistas observaram o genoma dos organismos evoluídos, concluíram que, devido a certas mutações, esses genes foram ativados, permitindo à E. coli usar o citrato como fonte de alimento. Pergunta: essa consumidora de citrato é uma nova espécie de Escherichia? O que você acha?

Conclusões

Todos os estudos sobre evolução nos ensinaram que a vida sempre encontra uma maneira de se preservar. Por esse motivo, os genomas bacterianos podem se adaptar de modos surpreendentes quando as bactérias se deparam com adversidades ambientais. Esse processo lhes permite colonizar novos lugares. A E. coli se tornou o organismo modelar desses estudos evolucionários porque cresce facilmente, tem um genoma pequeno – e é bastante conhecida por nós. Os dados obtidos desses experimentos contribuem para o estudo de importantes problemas evolucionários e nos permitirão não apenas entender, mas talvez orientar a evolução no futuro.

Você pode imaginar um futuro no qual será possível conhecer todos os genes que controlam as características físicas e as doenças de um organismo? Não é improvável que estejamos muito longe disso; e, quando acontecer, conseguiremos ajudar organismos a lutarem contra enfermidades e, quem sabe, até descobriremos outras formas de ensinar não só a eles, mas também aos humanos, maneiras de melhor se adaptarem ao ambiente.

Glossário

Evolução: Em biologia, mudança em qualquer característica de um organismo. As mudanças derivam de mutações ao longo de gerações.

Mutação: Mudanças na sequência de nucleotídeos dos genes.

Gene: Um conjunto de nucleotídeos definido. A ordem e o tipo desses nucleotídeos determinam as funções de um gene.

Nucleotídeo: Quatro moléculas orgânicas, chamadas adenina, citosina, guanina e timina, que compõem unidades de ácido desoxirribonucleico (DNA), a biomolécula essencial que forma a vida na Terra.

Genoma: Todos os genes de um organismo.

Seleção natural: Processo de lenta acumulação de mutações benéficas ao longo de gerações. Ele provoca o deslocamento e, por fim, a extinção de organismos menos adaptados.

EELP: Sigla de “experimento sobre evolução a longo prazo”. Refere-se a experimentos realizados por longos períodos de tempo.

Aptidão: Grau de adaptação de um organismo a seu ambiente, que determina quantos descendentes esse organismo produz.

Agradecimentos

Agradeço a Daniel E. Bustos Díaz e Diana E. Garcia Hernández por sua cuidadosa ajuda na revisão e na leitura das provas em inglês, que melhoraram a qualidade do manuscrito. Quero agradecer também a Erika Viridiana Cruz Bonilla por sua ajuda na elaboração das figuras deste artigo.

Referências

[1] Darwin, C. R., 1859. On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life. Londres: John Murray.

[2] Foster, P. L. 2007. “Stress-induced mutagenesis in bactéria.” Crit. Rev. Biochem. Mol. Biol. 42:373 – 97. DOI: 10.1080/10409230701648494.

[3] Sleight, S. C., Orlic, C., Schneider, D. e Lenski, R. E. 2008. “Genetic basis of evolutionary adaptation by Escherichia coli to stressful cycles of freezing, thawing and growth.” Genetics 180:431 – 43. DOI: 10.1534/genetics.108.091330.

[4] Barrick, J. E., Yu, D. S., Yoon, S. H., Jeong, H., Oh, T. K., Schneider, D. et al. 2009. “Genome Evolution and adaptations in a long-term experiment with Escherichia coli.Nature 461:1243 – 77. DOI: 10.1038/nature08480.

Citação

Aguilar, C. (2019). “Evolution in a bottle.” Front. Young Minds. 7:75. DOI: 10.3389/frym.2019.00075.

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