Biodiversidade 15 de junho de 2022, 16:21 15/06/2022

As emoções dos animais: eles têm sentimentos como nós?

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma mulher ajoelhada ao lado de um porco

Resumo

As emoções são uma parte essencial do modo como vivenciamos nosso mundo. Os humanos podem exprimir suas emoções contando a outras pessoas como se sentem. E quanto aos animais? Podemos afirmar que eles têm emoções e, em caso positivo, quais? Nos últimos vinte anos, os pesquisadores fizeram considerável progresso na descoberta de meios de acesso às emoções nos animais. Eles podem, por exemplo, observar as expressões faciais dos animais, registrar suas vocalizações ou mensurar processos orgânicos como alterações nos batimentos cardíacos ou nas concentrações de hormônios no sangue. Essa informação pode nos ensinar mais sobre como os animais sentem, como e porque suas emoções se desenvolveram e o que nós, humanos, compartilhamos com eles em termos de experiência emocional do mundo à nossa volta.

O que são emoções e por que nós as experimentamos?

As emoções desempenham um papel central em nossas vidas. No entanto, se nos perguntarem, talvez achemos difícil descrever o que uma emoção realmente é! Não é fácil saber quantas emoções diferentes existem, ou se todas as pessoas as vivenciam da mesma forma. O que sabemos ao certo é que elas se originam da atividade de células nervosas em diversas partes do cérebro. As emoções podem ser descritas como agradáveis (positivas) ou desagradáveis (negativas) e mais fortes ou mais fracas, em referência a sua intensidade [1].

Quando vivenciamos emoções, elas estão quase sempre associadas a mudanças em nosso comportamento e em nossa fisiologia, ou seja, nas funções de nosso corpo, como alterações de postura, pressão sanguínea, transpiração ou batimentos cardíacos. Imagine, por exemplo, que um urso se aproximasse de você numa floresta. O que você sentiria? Provavelmente medo! A emoção de medo, com toda certeza, seria acompanhada de uma expressão facial atemorizada e uma frequência cardíaca mais alta – e o resultado seria você sair correndo.

Mas, afinal, por que vivenciamos emoções? Elas são intangíveis e difíceis de descrever, mesmo para os cientistas, mas têm importantes finalidades. Ajudam-nos a aprender, a iniciar ações e a sobreviver no ambiente, pois permitem a adaptação a mudanças novas e repentinas. As emoções modificam nossa maneira de pensar, preparam-nos para escolher respostas rápidas e apropriadas, tais como fugir ao ver um urso se aproximando. Nosso comportamento pode nos ajudar a evitar situações que evocam emoções negativas (dano ou punição) ou procurar circunstâncias que geram emoções positivas, como alegria. Do ponto de vista evolutivo, vivenciar emoções melhora nossa capacidade de sobreviver e reproduzir.

Os animais têm emoções? Uma vez que animais não podem nos contar o que sentem, de que modo poderíamos saber se eles vivenciam ou não emoções? Dado que as emoções dos animais são difíceis de detectar, essa pergunta tem sido, historicamente, um problema filosófico. Os pesquisadores só começaram a investigar as vidas emocionais dos animais nas últimas décadas.

Quando consideramos os animais de criação, ou quaisquer outros sob os cuidados humanos, tentar entender como eles vivenciam emocionalmente seus mundos é algo não apenas cientificamente interessante, mas também eticamente recomendável. Os animais de criação são muitas vezes colocados em grande número, em ambientes inadequados. Isso pode causar doença, estresse e diminuição de bem-estar. Se pudéssemos saber como eles vivenciam emocionalmente suas situações, conseguiríamos melhorar seu bem-estar.

Como já vimos, os processos emocionais são complexos e incluem sentimentos, atitudes e mudanças fisiológicas. Os sentimentos, sobretudo, são difíceis de detectar em animais, porque eles não podem nos dizer como se sentem. No entanto, quando situações emocionais ocorrem (como a aproximação de um urso), elas provocam mudanças em diversos processos biológicos. Com base nessas mudanças, os pesquisadores desenvolveram um amplo leque de métodos para monitorar emoções em animais por meio da mensuração das mudanças nos níveis comportamental ou físico, muitas vezes ao mesmo tempo (Figura 1) [2].

Figura 1. Os cientistas podem usar toda uma variedade de parâmetros comportamentais e fisiológicos para detectar emoções em animais.

Mensuração do componente comportamental das emoções animais

A reação mais facilmente detectável de um animal a um acontecimento é o modo como este modifica suas atitudes. Os humanos geralmente moldam suas expressões faciais e seus gestos conforme o acontecimento vivenciado, seja agradável ou não. Quando você observa o rosto de seus amigos, pode quase sempre reconhecer se estão felizes, amedrontados ou aborrecidos. Os animais também exibem essas expressões faciais características!

Já foram desenvolvidas as chamadas escalas de expressões para cavalos, porcos, carneiros, ratos, camundongos e gatos. Por exemplo, mudanças na posição das orelhas, a quantidade de branco do olho visível e a tensão nos músculos dos maxilares podem indicar diferentes níveis de dor ou medo nos animais (Figura 1). Vale lembrar que as expressões faciais nos animais às vezes são diferentes das que ocorrem nos humanos: a alegria talvez não seja indicada pelo sorriso (mostrar os dentes é, frequentemente, sinal de estresse em outros primatas) e a tristeza não é acompanhada de lágrimas (os porcos não choram). Além disso, animais vulneráveis à predação (e também todos os de criação) tendem a não revelar emoções que indiquem dor ou aflição, pois isso os tornaria mais vulneráveis a predadores.

Outro exemplo de comportamento animal ligado às emoções são as vocalizações, como grunhidos, balidos e mugidos, que podem indicar estresse em muitas espécies. Sabemos que isso é verdadeiro também para os humanos: imagine-se cantando diante de uma plateia; sua voz pode tremer se você ficar nervoso ou experimentar o chamado pânico de palco. Os pesquisadores descobriram que as vocalizações de porcos, bodes e vacas também mudam e se tornam menos harmoniosas, indicando emoções negativas, quando esses animais ficam estressados: por exemplo, ao serem isolados do grupo [3].

Nossa tomada de decisões é influenciada também pelas emoções que vivenciamos. Por exemplo, sabemos que os humanos, quando de mau humor, tendem a julgar situações mais negativamente do que se estivessem otimistas. Todos conhecemos a história do copo meio cheio ou meio vazio, dependendo do modo como o olhamos. Fato interessante, esse também parece ser o caso nos animais (Figura 1). Os de criação, como porcos e cavalos, tomam decisões mais cautelosas e pessimistas depois de um acontecimento negativo e decisões mais otimistas depois de um acontecimento positivo [4]. Já os carneiros prestam mais atenção a acontecimentos negativos quando estão de mau humor. Devemos ter sempre em mente, no entanto, que o comportamento nas espécies animais pode diferir conforme a situação, e precisamos ser cautelosos ao interpretar esse comportamento para detectar emoções.

Como medir o componente fisiológico das emoções animais

Mudanças fisiológicas são decisivas para as emoções, pois desempenham um papel importante na preparação dos animais para enfrentarem situações potencialmente perigosas. Essas mudanças incluem a atividade do sistema nervoso e os níveis de certos hormônios.

O sistema nervoso autônomo regula as funções do corpo, incluindo os batimentos cardíacos, a pressão sanguínea, a respiração e a digestão. Mudanças na atividade do sistema nervoso autônomo podem ser usadas para estudar as emoções em espécies animais, já que os dois maiores subsistemas do sistema nervoso autônomo – o simpático (ativador) e o parassimpático (desativador) – estão diretamente ligados ao coração. Com base em emoções e estresse, a interação complexa desses dois subsistemas provoca variações tanto na frequência cardíaca quanto no tempo entre os batimentos cardíacos, o que tem o nome de variabilidade da frequência cardíaca [5].

Mas o que, exatamente, essas mudanças na frequência cardíaca e na variabilidade da frequência cardíaca nos dizem sobre as emoções? A atividade parassimpática nos mostra se um animal vivencia determinada situação como positiva ou negativa, enquanto a atividade simpática nos diz se ele experimenta alta ou baixa excitação, sou seja, qual é o seu nível de atenção e alerta perante o ambiente. No exemplo do urso, nossa experiência da emoção de medo será acompanhada por batimentos cardíacos acelerados (alta atividade simpática) e menor variação nesses batimentos (baixa atividade parassimpática). Os pesquisadores descobriram que os sistemas nervosos dos animais e humanos reagem de modo similar em situações de perigo. Isso significa que muitas emoções nos animais refletem fisiologicamente as mesmas emoções em humanos.

Outra reação fisiológica às emoções, tanto em humanos quanto em animais, pressupõe mudanças nas concentrações de hormônios. Em situações estressantes, o aumento de um hormônio chamado adrenalina reduz imediatamente o suprimento de sangue para todos os órgãos que não são absolutamente necessários na emergência. Ao mesmo tempo, o fluxo sanguíneo para órgãos importantes como o cérebro, o coração e os pulmões aumenta. O hormônio noradrenalina intensifica a atenção e o cortisol fornece energia para enfrentarmos situações estressantes. Outros hormônios, como a dopamina, a serotonina e a oxitocina, desempenham importante papel na alegria, no entusiasmo e no estreitamento dos vínculos sociais.

O que importa para nós saber se os animais vivenciam emoções?

Com base nessa pesquisa, parece que as semelhanças entre emoções humanas e animais devem ser maiores do que se suspeitava há algumas décadas. Humanos e animais reagem ao ambiente mais ou menos da mesma maneira. Respondem emocionalmente a seus semelhantes e avaliam situações de modo parecido, tornando-se estressados e ansiosos frente ao perigo. Embora talvez nunca saibamos exatamente como os animais se sentem, alguns estudos concluíram que, em definitivo, existem simetrias comportamentais e fisiológicas nas expressões emocionais de humanos e animais. Podemos, pois, inferir com algum grau de certeza que os animais têm emoções. Quanto mais descobrimos sobre os componentes comportamentais e fisiológicos das emoções em animais, mais conhecimentos adquirimos sobre as emoções, inclusive as nossas, e sobre o modo como afetam nosso comportamento no mundo.

A evidência de emoções em animais pode também nos convencer a repensar os ambientes em que mantemos os animais sob nossos cuidados – em fazendas, zoológicos ou mesmo em nossas casas. Se soubermos mais a respeito da maneira como os animais interagem e reagem a seus ambientes, poderemos, em última análise, melhorar esses ambientes e, em consequência, as relações entre animais e humanos. Devemos fazer, como objetivo ético, um esforço para diminuir as emoções negativas desses animais e aumentar sua experiência de emoções positivas.

Glossário

Fisiologia: Conjunto de todos os processos e fenômenos orgânicos dos corpos de seres vivos.

Escala de expressões: Métodos de constatação da dor, em animais não humanos, baseados em mudanças no número de “unidades de ação faciais” no animal, como semicerrar os olhos.

Sistema nervoso autônomo (SNA): Parte do sistema nervoso que atua em grande medida inconscientemente e regula funções corporais como frequência cardíaca, pressão sanguínea, respiração e digestão.

Sistema nervoso simpático: Parte do SNA responsável pela preparação do corpo para agir, sobretudo em situações que ameaçam a sobrevivência. Aumenta a frequência cardíaca, estreita os vasos sanguíneos e eleva a pressão sanguínea.

Sistema nervoso parassimpático: Parte do SNA responsável pelo estímulo de atividades que ocorrem quando o corpo está em repouso, especialmente após as refeições. Diminui a frequência cardíaca e aumenta a atividade intestinal e glandular.

Frequência cardíaca: Número de batimentos do coração por minuto.

Variação de frequência cardíaca: Medida da variação do tempo entre os batimentos do coração. Pode ser afetada pelas emoções e o estresse que comumente vivenciamos.

Hormônios: Mensageiros químicos que transportam informação pelo corpo. São produzidos pelas glândulas e viajam pela corrente sanguínea até os tecidos e órgãos.

Referências

[1] Mendl, M., Burman, O. H. P. e Paul, E. S. 2010. “An integrative and functional framework for the study of animal emotion and mood.” Proc. R. Soc. B. 277:2895. DOI: 10.1098/Rspb.2010.0303.

[2] Paul, E. S., Harding, E. J. e Mendl, M. 2005. “Measuring emotional processes in animals: the utility of a cognitive approach.” Neurosci. Biobehav. Rev. 29:469–91. DOI: 10.1016/j.Neurobiorev.2005.01.002.

[3] Briefer, E. F. 2012. “Vocal expression of emotions in mammals: mechanisms of production and evidence.” J. Zool. 288:1–20. DOI: 10.1111/J.1469-7998.2012.00920.X.

[4] Roelofs, S., Boleij, H., Nordquist, R. E. e van der Staay, F. J. 2016. “Making decisions under ambiguity: judgement bias tasks for assessing emotional state in animals.” Front. Behav. Neurosci. 10:119. DOI: 10:3389/Fnbeh.2016.00119.

[5] von Borell, E., Langbein, J., Després, G., Hansen, S., Leterrier, C., Marchant-Forde, J. et al. 2007. “Heart rate variability as a measure of autonomic regulation of cardiac activity for assessing stress and welfare in farm animals – a review.” Physiol. Behav. 92:293–316. DOI: 10.1016/j.physbeh.2007.01.007.

Citação

Krause, A. e Nawroth, C. (2021). “Animal emotions – do animals feel as we do?” Front. Young Minds. 9:622811. DOI: 10.3389/frym.2021.622811.

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