As mudanças climáticas globais do oceano, observada de navios
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Resumo
Você alguma vez já se maravilhou com a enorme extensão do mar, seja contemplando-o de pé na praia ou sobrevoando-o num avião, e pensou na maneira como ele pode regular nosso clima? Ou refletiu sobre os danos que nossas emissões em excesso de dióxido de carbono e calor estão causando à vida nos oceanos? O oceano absorve calor do ar e do sol, sofre alterações em seu teor de sal causadas pela evaporação ou pela chuva e troca gases com a atmosfera, inclusive parte do dióxido de carbono extra que os humanos adicionam a ela. As correntes e ondas oceânicas conservam calor e carbono por dezenas ou até centenas de anos; e, ao transportarem carbono e calor em todas as direções, elas alteram a atmosfera acima. Só adquirimos esse conhecimento porque, durante um século, observamos o oceano a bordo de navios e depois, nas décadas mais recentes, empregamos satélites e equipamentos náuticos.
O clima afeta o oceano
O oceano é imenso: cobre 71% da superfície terrestre e tem, em média, 5 km de profundidade. E muda. Os humanos vêm aumentando a quantidade de gases do efeito estufa na atmosfera, principalmente de dióxido de carbono (CO2). Isso faz com que a atmosfera se aqueça e altere o regime de chuvas e evaporação. A mudança climática tem elevado as temperaturas do oceano, desde a superfície até as profundezas (Figura 1). A salinidade oceânica (quantidade de sal dissolvida na água do mar) está se modificando em grandes áreas porque a chuva e a evaporação também se modificam.
Parte do CO2 em excesso na atmosfera chega ao oceano. Esse CO2 extra se chama carbono antropogênico (isto é, “carbono gerado pelo homem”) porque provém da atividade humana, como os automóveis que usam gasolina e as fábricas que empregam carvão ou gás. Essas fontes de energia recebem o nome de combustíveis fósseis. Quando o CO2 se dissolve na água do mar, esta se torna mais ácida, prejudicando conchas e ossos. O oxigênio é outro gás muito importante nos oceanos e na atmosfera. Muitos organismos marinhos precisam de oxigênio e já vimos que a quantidade dele dissolvida na água do mar está baixando, devido sobretudo ao aquecimento climático.
Como podemos compreender o clima e predizer seu futuro? Primeiro, observamos os oceanos, a atmosfera, a terra e o sol. Constatamos que tudo isso está mudando por causa da queima de combustíveis fósseis, de novos métodos de uso da terra e de outros impactos causados por humanos. Em seguida, construímos, testamos e aperfeiçoamos complexos modelos de computador com base em nossas observações. Esses modelos nos permitem avaliar ideias sobre como o clima opera e predizer seu futuro. Quanto mais observações tivermos e melhores forem os modelos, mais acuradas serão as predições/previsões.
Quais mudanças climáticas podemos observar no oceano?
Os oceanógrafos têm pesquisado o oceano há centenas de anos. Usavam principalmente navios (veja o projeto “GO-SHIP”). Há cerca de 30 ou 40 anos, satélites começaram a fazer observações da superfície do oceano, e a comunicação via satélite agora permite que instrumentos robóticos enviem informações de volta ao laboratório, sem a necessidade de um navio. Esses instrumentos medem a metade superior dos oceanos do mundo a cada 10 dias. Entretanto, o emprego de navios ainda é necessário para medir os oceanos com precisão, desde a superfície até o fundo, e para pesquisar aspectos da química do oceano importantes para a vida, como as quantidades de carbono, oxigênio e nutrientes encontrados na água.
Mudanças de temperatura
A temperatura é a propriedade oceânica mais elementar que medimos com navios. Em muitos pontos da Terra, as temperaturas na parte superior do oceano se elevaram nos últimos 50 anos (Figura 1A) porque a atmosfera acima de sua superfície está esquentando. Também constatamos mudanças de temperatura em toda a sua profundidade, até mesmo no leito. O maior aquecimento no leito ocorre em volta da Antártida (Figura 1B). Isso se dá porque, em volta da Antártida, em poucos anos a água fria e pesada da superfície desce até o fundo, o que provoca mudanças muito rápidas nessa região. Contudo, nas últimas décadas, tem havido cada vez menos água extremamente fria e pesada ao longo das costas da Antártida. E, com menos água fria, o leito do oceano se aquece.
Por meio desses dois caminhos – a atmosfera aquecendo a superfície do oceano em quase toda parte, e o aquecimento do fundo do oceano, principalmente na região em volta da Antártida –, o oceano absorveu mais de 90% do calor extra antes existente no sistema climático da Terra. E o que acontece quando o oceano esquenta? A água se expande. Isso faz com que a superfície do oceano suba, fenômeno conhecido como “elevação do nível do mar”. Esse nível está subindo também porque a atmosfera aquecida derrete o gelo da terra, como os geleiras e as camadas de gelo, e essa água vai para o oceano. Ambos os efeitos contribuem mais ou menos com a mesma intensidade para a elevação do nível do mar.
Mudanças na salinidade
A salinidade é a segunda grandeza física importante que medimos. O oceano é salgado, como você bem sabe se já engoliu um pouquinho de água na praia. O volume total de sal no oceano dificilmente muda, mas, onde chove muito, a água marinha é diluída pela água doce e a salinidade diminui. Onde há muita evaporação, o sal na água marinha fica mais concentrado e a salinidade aumenta. Se a água marinha é mais salgada, fica também mais pesada. A água salgada que está próxima ao ponto de congelamento pesa bastante e ocupa as partes mais profundas do oceano.
Estamos vendo mudanças nos aspectos de chuva e evaporação porque a atmosfera mais quente retém mais vapor de água e leva-o das regiões secas para as úmidas, inclusive para o oceano. Graças às medições com navios e robôs, constatamos que certas regiões do oceano estão se tornando mais salgadas e as que recebem mais água doce, menos salgadas. Isso significa que as regiões secas estão ficando mais secas e as úmidas, mais úmidas. O mesmo acontece em terra firme, mas é bem mais difícil medir as mudanças no regime de chuvas e evaporação do que a salinidade oceânica. Assim, as medições de salinidade se tornaram o parâmetro para o cálculo da chuva no planeta.
Mudanças na quantidade de dióxido de carbono (CO2)
As mudanças climáticas são provocadas sobretudo pelo aumento de CO2 na atmosfera. A quantidade de CO2 está aumentando porque a humanidade usa combustíveis fósseis cada vez mais. Com base em medições feitas em navios, concluímos que de 25% a 30% desse CO2 extra chegam ao oceano por meio de bolhas de ar presas às ondas da superfície. Esse parece ser um bom serviço prestado pelo oceano: ele limpa um pouco a atmosfera. Todavia, quando o CO2 se dissolve na água, ela fica ligeiramente ácida. A água do mar (e da chuva) já é um pouco ácida; porém, quando o CO2 da atmosfera se dissolve nela, torna-a ainda mais ácida. Damos a isso o nome de acidificação do oceano, que pode devastar alguns organismos marinhos ao fazer com que conchas e ossos se desgastem mais facilmente. Assim, esses organismos acabam ficando menores ou deformados, isto quando não morrem.
Mudanças nas correntes oceânicas
As correntes oceânicas que conectam diferentes áreas do oceano (Figura 2) estão mudando aos poucos devido às alterações na temperatura e na salinidade dos mares, e também no regime dos ventos. Graças a medições feitas por navios em diversos pontos do oceano (Figura 3C), podemos calcular a quantidade de água que passa de um oceano a outro, a quantidade que desce ao fundo em regiões frias (perto da Groenlândia e da Antártida), o tempo necessário para se deslocar no leito e em que locais ela volta à superfície quente. Essas correntes são chamadas de circulação de revolvimento ou, às vezes, de correia transportadora oceânica. A circulação de revolvimento é importante para o clima porque dissemina carbono e calor. Alterações nela podem aquecer ou resfriar oceanos inteiros.
Os avanços nas observações do oceano feitas com navios
No final dos anos 1800, registraram-se enormes progressos na observação do oceano. A temperatura oceânica foi medida com termômetros de mercúrio; a salinidade, pela evaporação de amostras de água do mar, pesando-se em seguida o sal seco restante. No começo dos anos 1900, essas medidas se tornaram bem mais precisas e fáceis de obter: os termômetros foram aperfeiçoados e inventou-se um método de laboratório para avaliar a salinidade. Esses métodos foram usados até a década de 1950.
A oceanografia moderna nasceu nos anos 1950 e 1960, quando foram desenvolvidos sensores digitais para temperatura, salinidade e pressão (que é um indicador de profundidade). Também se pode aperfeiçoar medições de carbono, oxigênio, nutrientes e velocidade. Na Figura 3B, você vê uma estrutura com instrumentos e garrafas de amostragem de água presas a um fio. Esse equipamento é baixado do navio. A bordo, o computador recebe os sinais dos instrumentos que chegam pelo fio e envia instruções às garrafas para coletarem água.
No final da década de 1980, agências espaciais lançaram satélites de observação da Terra. Alguns medem a temperatura superficial do oceano e outras propriedades úteis ali encontradas. Observações globais dentro do oceano foram feitas para complementar o trabalho dos satélites, como parte do – Experimento de Circulação Oceânica Mundial (World Ocean Circulation Experiment – WOCE), feito nos anos 1990. O WOCE colheu amostras de cada bacia oceânica, desde a superfície ao fundo (Figura 3C). Graças ao WOCE, hoje sabemos muita coisa sobre temperatura, salinidade, carbono, oxigênio, nutrientes e correntes oceânicas.
Nos anos 2000 e 2010, descobrimos que o oceano estava mudando tanto que suas mudanças podiam ser medidas. Medimos a cada 10 anos ao longo de mais ou menos metade das linhas do WOCE como parte do programa GO-SHIP (Figura 3C), a fim de documentar mudanças no oceano global, da superfície até o fundo [5]. Nossos navios de pesquisa (Figura 3A) se movem pelas bacias oceânicas a uma velocidade máxima de cerca de 10 nós (18 km/h, portanto, à velocidade de uma bicicleta).
A fim de coletar dados para o cruzeiro de pesquisa, os navios param a cada 60 km para baixar seus instrumentos até o fundo do oceano e puxá-los depois, o que leva quatro horas. Completar cada “linha” pelo oceano afora exige vários meses. As medições a bordo de navios de pesquisa são feitas por diversos países. Os representantes dos países se comunicam com frequência para coordenarem os esforços. Boas decisões sobre melhorias foram tomadas em encontros chamados OceanObs que ocorrem a cada 10 anos.
Torne-se um oceanógrafo
As observações feitas por navios serão nossa fonte ininterrupta de informação para temperaturas profundas, salinidade e mudanças químicas acentuadas no oceano. Além disso, agora estamos pesquisando também organismos vivos. E uma vez que isso será feito todos os anos ao longo das próximas décadas, vamos precisar que você se torne um oceanógrafo. Você pode ser um oceanógrafo físico e estudar as correntes oceânicas globais; um oceanógrafo químico, e estudar as mudanças na salinidade e os nutrientes; ou um oceanógrafo biológico e estudar os impactos da acidificação do oceano em organismos. O oceano espera por você!
Glossário
Mudança climática: Clima é a média do tempo (quente, frio, chuvoso, seco). Variabilidade climática são as variações naturais do clima. Mudança climática é a variação devida à atividade humana.
Salinidade: Quantidade de sais dissolvidos em um quilograma de água marinha. As unidades de salinidade são geralmente expressas em gramas de sal por quilograma de água marinha.
Carvão antropogênico: Carvão, no oceano, resultante da queima, por humanos, de combustíveis fósseis.
Acidificação oceânica: Aumento na acidez da água marinha em resultado da adição de carbono antropogênico. A água marinha é normalmente um pouco ácida porque o dióxido de carbono está sempre presente nela, vindo da atmosfera, mas a acidificação é o aumento dessa acidez.
Circulação de revolvimento: Correntes oceânicas mundiais que conectam águas superficiais ao interior e ao fundo do oceano, ligando grandes oceanos como Pacífico, Atlântico, Ártico, Índico e Antártico.
Referências
[1] Rhein, M., Rintoul, S. R., Aoki, S., Campos, E., Chambers, D., Feely, R. A. et al. 2013. “Observations: ocean”, em Climate Change 2013: The Physical Science Basis. Contribution of Working Group I to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change, orgs. T. F. Stocker, D. Qin, G.-K. Plattner, M. Tignor, S. K. Allen, J. Boschung (Cambridge; New York, NY: Cambridge University Press).
[2] Gruber, N., Clement, D., Carter, B. R., Feely, R. A., van Heuven, S., Hoppema, M. et al. 2019. “The oceanic sink for anthropogenic CO2 from 1994 to 2007.” Science 363:1192–9. DOI: 10.1126/science.aau5153.
[3] Roemmich, D., Alford, M., Claustre, H., Johnson, K., King, B., Moum, J. et al. 2019 “On the future of Argo: a global, full-depth, multi-disciplinary array.” Front. Mar. Sci. 6:439. DOI: 10.3389/fmars.2019.00439.
[4] Talley, L. D. 2013 “Closure of the global overturning circulation through the Indian, Pacific and Southern Oceans: schematics and transports.” Oceanography 26:80–97. DOI: 10.5670/oceanog.2013.07.
[5] Sloyan, B. M., Wanninkhof, R., Kramp, M., Johnson, G. C., Talley, L. D., Tanhua, T. et al. 2019. “The Global Ocean Ship-Based Hydrographic Investigations Program (GO-SHIP): a platform for integrated multidisciplinary ocean science.” Front. Mar. Sci. 6:445. DOI: 10.3389/fmars.2019.00445.
Citação
Talley, L. D. (2021). “Global Ocean Climate Change: Observing From Ships.” Front. Young Minds. 9:495240. DOI: 10.3389/frym.2021.495240.
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