Caminhões versus trens: como o meio de abastecimento afeta a qualidade do ar?
Autores
Alexandra Karambelas, Erica Bickford
Jovens revisores
Resumo
O ar que respiramos é composto por muitas substâncias químicas diferentes. Algumas são poluentes prejudiciais à saúde humana. Os poluentes atmosféricos vêm de uma grande variedade de fontes, incluindo usinas elétricas, fábricas, agricultura e transporte. Os veículos usados no transporte de pessoas e cargas se baseiam na queima de combustíveis fósseis, como gasolina ou diesel, para se deslocarem de um lugar a outro, e a queima desses combustíveis resulta na liberação de gases e partículas muito pequenas. Essas substâncias são conhecidas como “emissões poluentes”. Diferentes meios de transporte podem emitir quantidades diferentes de poluentes do ar, que têm impacto na qualidade do ar local e regional. Nos Estados Unidos, caminhões e trens são usados para transportar cargas. Compreender como os caminhões e trens de carga afetam a qualidade do ar é útil para aprendermos a reduzir a poluição, tão prejudicial à saúde humana.
O que é a qualidade do ar, e por que ela é importante?
A poluição do ar é a presença de material particulado (pedaços muito pequenos de matéria sólida) e de gases no ar, os quais são prejudiciais para os seres humanos e o meio ambiente. A poluição do ar pode levar a problemas de saúde como asma e doenças pulmonares, mas também à morte [1]. Crianças e idosos são mais suscetíveis aos efeitos da poluição do ar sobre a saúde. Os pesquisadores estudam a qualidade ou a quantidade de poluição no ar, e também as conexões entre as fontes de poluição atmosférica e o efeito desta na saúde humana.
A poluição provocada pelo homem na atmosfera é causada pelos gases e partículas liberados por fontes de combustão. A combustão é o processo pelo qual uma substância que contém energia é queimada para liberar essa energia. Algumas substâncias geralmente usadas em processos de combustão incluem combustíveis fósseis como gasolina, diesel, carvão e gás natural.
A energia obtida da queima de combustíveis fósseis fornece eletricidade para nossas casas e alimenta nossos veículos. Quando um combustível é queimado, algumas substâncias químicas, chamadas de “emissões” são liberadas como subprodutos da queima. As emissões liberadas por fontes de combustão contribuem para a “poluição do ar ambiente” ou para as concentrações de vários gases e partículas no ar que respiramos.
Como a atmosfera da Terra é composta principalmente de nitrogênio e oxigênio, a maioria das emissões ocorre na forma de compostos de moléculas de nitrogênio e oxigênio chamados óxidos de nitrogênio (ou NOx). Como a maioria das fontes de energia que queimamos é constituída por carbono, outros subprodutos são emitidos como compostos de carbono, incluindo o carbono elementar (CE), também conhecido como fuligem.
Emissões do tipo do NOx podem reagir com outros gases que já estão na atmosfera, como as substâncias gasosas à base de carbono chamadas de compostos orgânicos voláteis (ou COVs). Eles são emitidos naturalmente das árvores e também de materiais criados pelo ser humano, como tintas e vernizes. A combinação entre NOx e COVs forma ozônio no nível da superfície (ou O3), também chamado “ozônio troposférico” porque a camada da atmosfera junto à superfície da Terra é chamada de troposfera. Respirar O3 na superfície da Terra pode danificar o tecido pulmonar e causar problemas de saúde1. Enquanto gases como NOx e COVs são invisíveis, o CE está na fumaça preta que vemos sair de grandes caminhões e ônibus – mas também das fogueiras de acampamento.
O CE é uma partícula. Partículas muito pequenas são prejudiciais à saúde humana porque podem ser inaladas profundamente pelos pulmões e entrar na corrente sanguínea. O material particulado fino prejudicial é menor que 2,5 µm de diâmetro e se chama “MP2,5”, onde MP significa material particulado. O CE é exemplo de um MP2,5 que vem diretamente da combustão, mas o MP2,5 pode também se formar a partir de reações entre gases na atmosfera. Enquanto os particulados são liberados diretamente pela combustão e criados na atmosfera, o O3 só se forma por meio de reações químicas na atmosfera.
Nos Estados Unidos, a Agência de Proteção Ambiental (EPA) regula a qualidade do ar por meio de uma lei chamada “Lei do Ar Puro”. Parte da lei inclui o uso de análises científicas para determinar as concentrações de poluentes atmosféricos seguras para a saúde. Esses padrões são chamados de “Padrões Nacionais de Qualidade do Ar Ambiente”. Há padrões diferentes para os seis poluentes considerados os mais nocivos: O3, NO2, MP2,5, dióxido de enxofre, monóxido de carbono e chumbo. Desde que a Lei do Ar Puro começou a regular a qualidade do ar em 1970, as concentrações desses seis poluentes diminuíram; porém as de O3 e MP2,5 seguem insalubres e problemáticas em algumas cidades, em especial no sul da Califórnia e no leste do país, que têm níveis mais altos de poluição do ar do que os considerados seguros pela EPA e exigem planos para sua redução.
Para determinar quais atividades ajudarão a reduzir a poluição em uma área, os cientistas podem realizar experimentos de qualidade do ar usando computadores poderosos e modelagem computacional. Esses modelos simulam a poluição emitida por carros, caminhões, trens e outras fontes, como também os processos químicos na atmosfera que causam a formação de poluentes como o O3. Os modelos incluem equações complexas relacionadas à atmosfera e também ao transporte de poluição pelo vento, à sua produção e destruição por reações químicas, e à sua remoção da atmosfera pelas chuvas. São modelos de computador que exigem muitas entradas de dados, incluindo os meteorológicos (também conhecidos como “meteorologia”) e informações sobre emissões de todas as fontes humanas e naturais.
Como o transporte pode afetar a poluição do ar?
Uma das principais fontes de emissões causadoras de poluição são os veículos para transporte de pessoas e cargas [2]. Entre eles estão carros, caminhões, motocicletas, trens, aviões e navios. Existem dois tipos principais de atividades de transporte: um é o de pessoas, conhecido como “transporte de passageiros”, e o outro é o de mercadorias como alimentos, roupas, materiais de construção, eletrônicos, equipamentos e muitos outros itens, conhecido como “transporte de cargas”. Nos Estados Unidos, caminhões, trens, navios e alguns aviões são usados no transporte de cargas para as fábricas que constroem coisas e para as lojas onde fazemos compras.
Caminhões e trens são movidos por motores que requerem energia para funcionarem. Esses motores produzem emissões da queima de combustível. As emissões geradas pelo transporte podem ser quantificadas, ou calculadas, a partir de informações como o número de caminhões e trens operando em estradas ou trilhos, combinadas com dados sobre como seus motores operam e quanta poluição emitem por quilômetro percorrido durante os períodos quentes ou frios do ano. Essa informação pode ser usada para estimar as emissões totais do transporte de cargas a cada ano.
Já que o transporte de cargas pode impactar negativamente a qualidade do ar, podemos nos perguntar: “existe um meio de reduzir as emissões e melhorar o ar que respiramos mudando a forma de transportar cargas?”. Para responder a essa pergunta, criamos um experimento para analisar como transportar mais carga por ferrovia e menos por caminhão, o que melhoraria a qualidade do ar no Meio Oeste dos EUA. Para isso, primeiro avaliamos as mudanças no transporte de mercadorias, que passou do uso de caminhões para o de ferrovias, entre cidades nos Estados do Meio Oeste. Por exemplo, de Minneapolis, MN, para Detroit, MI (Cenário 1).
Em seguida, adicionamos o transporte de cargas, por exemplo, da Califórnia até Nova York, viajando nas estradas e ferrovias do Meio Oeste (Cenário 2). Os resultados de ambos os cenários são comparados com um “cenário de referência”, que representa o modo tradicional de transporte de carga, e nos permite entender as mudanças observadas em nossos cenários experimentais.
É importante observar que nem todas as cargas podem ser transportadas facilmente por caminhão ou trem. Normalmente, o transporte ferroviário pode ser mais lento, porque os vagões individuais são ligados ao longo da rota para formar trens longos (às vezes com cem e até duzentos vagões), o que traz maior eficiência e menor custo. Devido a isso, as rotas nem sempre são diretas. Por outro lado, os caminhões podem viajar diretamente desde sua origem até seu destino, sem paradas, e chegar mais rápido. Assim, produtos frescos ou frutos do mar às vezes estragam antes de chegar a seu destino, quando são transportados por trem. No entanto, mercadorias como peças de carros, móveis ou areia não estragam e podem ser transportadas tanto por caminhão como por trem.
Além disso, quando uma empresa está decidindo se despachará suas mercadorias por caminhão ou trem, vai considerar quanto custará o transporte. Geralmente, o transporte ferroviário é mais barato em distâncias mais longas e o transporte por caminhão é mais barato em distâncias mais curtas. Para os cenários experimentais nesta análise, consideramos apenas a movimentação de mercadorias por trem, não por caminhão, caso (1) isso fosse possível para o tipo de mercadoria e caso (2) a mercadoria fosse transportada por mais de 650 km.
As Figuras 1A, B mostram as rodovias e ferrovias onde mais transporte ferroviário de carga foi adicionado (azul) e onde o transporte de carga por caminhão foi reduzido (em vermelho), para cada cenário. No Cenário 1, 876 vagões substituem 2.534 caminhões por dia; no Cenário 2, 37.854 vagões substituem 103.450 caminhões por dia. Cada um desses cenários de emissões (Linha de base, Cenário 1 e Cenário 2) foi pesquisado usando-se um modelo de computador com dados meteorológicos para determinar os impactos da poluição do ar se alguma carga fosse transferida de caminhões para trens. A única diferença entre esses cenários é a emissão, pois ela é um resultado direto da alteração do número de trens e caminhões utilizados.
Nossa hipótese para esse experimento é que incrementar o transporte por meio dos trens nas ferrovias e reduzir o transporte através de caminhões nas rodovias significa que as emissões aumentarão ao longo das linhas vermelhas e diminuirão ao longo das linhas azuis na Figura 1A, B; e como os trens de carga podem transportar mais mercadorias por galão de combustível usado, a qualidade do ar em todo o Meio Oeste melhorará.
Para a primeira parte da nossa hipótese, essa é exatamente a mudança nas emissões de transporte que nós vimos quando comparamos o Cenário 1 e o Cenário 2 com o cenário de referência (Figuras 1C–F), onde os aumentos das emissões por dia são coloridos em vermelho e as diminuições em azul. As mudanças nas emissões para o NO2 (Figuras 1C) e MP2,5 primário (Figuras 1E) no Cenário 1 mostram que, comparadas com o cenário de referência, as emissões das ferrovias geralmente aumentam e as emissões das rodovias geralmente diminuem. Essa tendência se repete em todo o Meio Oeste no Cenário 2 para emissões de NO2 (Figuras 1D) e MP2,5 primário (Figuras ?) em todo o Meio Oeste no Cenário 2 para as emissões de NO2 (Figuras 1D) e MP2,5 primário (Figuras 1F).
A Figura 2 mostra as mudanças percentuais nas concentrações dos poluentes NO2 e CE como resultado do Cenário 2, no qual a carga está se deslocando pela região do Meio Oeste. Os resultados do Cenário 1, onde a carga está se deslocando entre cidades no Meio Oeste, não são mostrados porque as mudanças percentuais nas concentrações de poluentes foram inferiores a 1%. Observe que, em comparação com as Figuras 1C, D, as mudanças na qualidade do ar mostradas nas Figuras 2A, B estão mais espalhadas pela região, ao invés de diretamente no topo das rodovias e ferrovias.
Isso ocorre porque se considera que a poluição emitida diretamente dos caminhões e trens ocorre em um local ao longo de ferrovias e rodovias (como mostrado na Figura 1), sendo então influenciada por elementos do tempo, como a velocidade e a direção do vento e chuvas, e os fenômenos de produção e destruição de substâncias químicas na atmosfera, o que gera a poluição ambiental (como mostrado na Figura 2). No entanto, as maiores mudanças na qualidade do ar ainda seguem os modelos de rodovias e ferrovias, onde mudanças nas emissões ocorrem entre o Cenário 2 e a Linha de Base.
Por exemplo, no Estado de Wisconsin, encontra-se grandes elevações nas concentrações de NO2 e CE ao longo do rio Mississípi, onde há uma ferrovia, e grandes diminuições são observadas ao longo da rodovia que fica no centro do Estado. Essas mudanças também são muito perceptíveis no Missouri e no leste do Kansas. Você também pode ver que, embora as concentrações de NO2 no Cenário 2 tenham caído perto das rodovias, as concentrações de CE na verdade aumentaram um pouco, mas ficaram mais espalhadas (Figura 2B).
Isso demonstra como, às vezes, pode ser difícil resolver problemas de qualidade do ar; fazer uma mudança, como usar mais trens e menos caminhões para o transporte de carga, pode melhorar alguns problemas de poluição do ar, mas piorar outros. A poluição do ar é especialmente grave porque o problema é causado não só por particulados e gases emitidos diretamente pela queima de combustíveis fósseis, mas também pelo modo como os particulados e os produtos químicos interagem com condições meteorológicas e substâncias químicas na atmosfera para criar outros poluentes. No caso do transporte de carga no Meio Oeste, obter mais progresso na qualidade do ar pode exigir uma combinação de mudança do transporte de carga de caminhão para a ferrovia e substituição do tipo de motor ou diesel usados pelos trens.
Estudos de qualidade do ar podem ajudar as comunidades
Este estudo mostra como podemos saber mais sobre como diferentes atividades humanas (o transporte, por exemplo) contribuem para a poluição do ar ambiente. Esse conhecimento ajuda os cientistas que examinam a qualidade do ar em uma região e os funcionários que cuidam da regulação da qualidade do ar na EPA, encarregados de monitorar a qualidade do ar para fins de saúde pública.
Por exemplo, ao observar as mudanças geradas a partir da modificação das emissões de transporte para reduzir o transporte rodoviário de caminhões e aumentar o transporte ferroviário, podemos estimar que as emissões de NO2 e MP2,5 primário diminuem perto de rodovias e aumentam perto de ferrovias. Informações sobre mudanças nas concentrações ambientais são valiosas para comunidades que precisam reduzir a poluição do ar, e até pequenas mudanças locais podem influenciar se uma comunidade conseguirá atingir os padrões de qualidade do ar prescritos pela EPA.
Glossário
Poluição do ar: Compostos químicos particulados e gasosos, suspensos na atmosfera, que podem causar poluição e afetar a saúde humana.
Emissões: Compostos liberados como subprodutos quando as fontes de energia são queimadas.
Óxidos de nitrogênio (NOx): Compostos químicos gasosos de nitrogênio e oxigênio, a maioria comumente encontrada na atmosfera como dióxido de nitrogênio (NO2) ou monóxido de nitrogênio (NO).
Carbono elementar (CE): Também conhecido como carbono negro, o CE é a fuligem escura emitida pela combustão incompleta.
Compostos orgânicos voláteis (COVs): Compostos químicos gasosos que contenham pelo menos uma molécula de carbono.
Matéria particulada fina (MP2,5): Compostos sólidos e líquidos, menores que 2,5 µm em diâmetro, que contêm poluentes de carbono e não carbono.
Qualidade do ar ambiente: Medida que avalia até que ponto o ar externo está poluído (baixa qualidade do ar) ou limpo (elevada qualidade do ar).
Mercadorias: Alimentos e bens que os consumidores adquirem e usam no cotidiano, mas também materiais usados na manufatura.
Carga: Mercadorias como comida, roupa, materiais de construção, eletrônicos, equipamento e muitas outras, transportadas por caminhão, trem ou avião.
Notas de rodapé
[1] Você já deve ter ouvido a expressão “camada de ozônio”. Trata-se de uma camada de O3 presente na estratosfera (a segunda camada da atmosfera terrestre, acima da troposfera) que protege as pessoas e as plantas da Terra da absorção prejudicial de radiação ultravioleta vinda do Sol. Está muito no alto e nela não poderíamos respirar. Assim, o “ozônio estratosférico” é uma coisa boa e o “ozônio troposférico” é uma coisa má. Quando falamos de “poluição por ozônio”, falamos do ozônio troposférico.
Fonte original do artigo
Bickford, E., Holloway, T., Karambelas, A., Johnston, M., Adams, T., Jansen, M. et al. (2014). “Emissions and air quality impacts of truck-to-rail freight modal shifts in the Midwestern United States.” Environ. Sci. Technol. 48, 446–54. DOI: 10.1021/es4016102.
Referências
[1] Burnett, R. T., Pope, C. A., Ezzati, M., Olives, C., Lim, S. S., Mehta, S. et al. 2014. “An integrated risk function for estimating the global burden of disease attributable to ambient fine particulate matter exposure.” Environ. Health Perspec. 122, 397–403. DOI: 10.1289/ehp.1307049.
[2] EPA. 2014. U.S. Air Emissions Sources: Nitrogen Oxides. US Environmental Protection Agency.
[3] Bickford, E., Holloway, T., Karambelas, A., Johnston, M., Adams, T., Janssen, M. et al. 2014. “Emissions and air quality impacts of truck-to-rail freight modal shifts in the Midwestern United States.” Environ. Sci. Technol. 48, 446–54. DOI: 10.1021/es4016102.
Citação
Karambelas, A. e Bickford, E. (2018). “Trucks versus trains: how does the way we get our stuff affect air pollution?” Front. Young Minds. 6:6. DOI: 10.3389/frym.2018.00006.
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