Coagregação bacteriana: uma maneira diferente para reunir as bactérias
Autores
Alexander H. Rickard, Aneesa F. Redissi, J. Christopher Fenno, Michael A. L. Hayashi, Nicholas S. Jakubovics
Jovens revisores
Resumo
As bactérias são os menores organismos vivos deste planeta. Embora possam viver como células individuais flutuantes, muitas conseguem reconhecer especificamente outros tipos de bactérias e aderir a elas. Essa capacidade é chamada de coagregação. Há mais de 50 anos, microbiologistas observaram pela primeira vez a coagregação entre bactérias que crescem na boca humana. No entanto, está se tornando claro que a coagregação ocorre em muitos ambientes e pode ser um fenômeno importante e disseminado para a sobrevivência bacteriana. Este artigo ajudará você a entender a coagregação bacteriana e, com sorte, inspirá-lo a aprender mais sobre o comportamento microscópico das bactérias.
Situações pegajosas em um mundo microscópico
Todos nós já vimos fotografias ou desenhos de bactérias. Desde que surgiram os primeiros desenhos desses microrganismos, há mais de 300 anos, elas têm sido frequentemente representadas como pequenas células de vários formatos, organizadas individualmente. No entanto, muitas espécies de bactérias não são microrganismos solitários; em vez disso, unem-se para viver em grupos chamados agregados. O tipo mais comum de agregados é chamado de biofilme, que são misturas de microrganismos aderidos a interfaces (por exemplo, superfícies sólido-líquido, líquido-óleo e ar-líquido) e podem conter dezenas a centenas de espécies bacterianas [1]. Exemplos de biofilmes incluem a placa bacteriana, o lodo nos cascos de navios e a espuma que se forma em lagoas estagnadas.
A capacidade das bactérias para se agregarem é fundamental para a formação de biofilmes. Algumas bactérias da mesma espécie se agregam por meio de um processo chamado de autoagregação, que é o nome dado à agregação de células bacterianas da mesma espécie, e isso pode ajudar na inclusão de mais elementos de uma mesma espécie em biofilmes que estejam em desenvolvimento. Curiosamente, microbiologistas também perceberam que muitas espécies bacterianas se ligam a outras espécies por meio de um processo altamente específico chamado coagregação (Figura 1) [2]. A coagregação pode ajudar na formação de biofilmes, permitindo que espécies bacterianas se reconheçam e possam aderir, especificamente, a outras espécies de bactérias que já estejam nos biofilmes em desenvolvimento [2].
Estudos demonstraram que a coagregação ocorre principalmente devido a interações entre proteínas pegajosas chamadas adesinas (uma proteína na superfície de uma célula bacteriana que reconhece e se liga especificamente a um receptor em outra célula bacteriana) presentes na superfície celular de uma espécie bacteriana e açúcares complexos chamados receptores (uma molécula contendo açúcares complexos na superfície de uma célula bacteriana que é reconhecida por uma adesina), localizado na superfície celular de outra espécie (Figura 2).
As adesinas e os receptores agem de forma específica: um só se ligará ao outro se os dois pertencerem ao tipo correto. É uma interação semelhante a uma mão que consegue se encaixar em uma luva, mas um pé não consegue. Além disso, as bactérias podem produzir combinações de adesinas e receptores que permitem que várias espécies se coagreguem entre si e formem uma rede de células coagregadas.
Essas redes de coagregação foram mapeadas para muitas bactérias na placa dentária humana (um tipo de biofilme que se forma na superfície dos dentes, veja na Figura3 ) e evidências sugerem que essas redes desempenham diversas funções [2]. Redes de coagregação também estão sendo identificadas em muitos outros ambientes, incluindo biofilmes na água potável, na pele humana e até mesmo nos dentes de cães. A coagregação foi identificada em tantos ambientes que pode ser um fenômeno universal entre as bactérias, tornando importante entender por que e como as bactérias a realizam.

(A) Uma amostra de placa dentária humana, mostrando um grande agregado (GA) de células bacterianas, células fusiformes soltas (bastonetes) (CF), células em formato de coco (arredondadas) (CC) e uma massa coagregada em forma de “espiga de milho” (EM) formada por bactérias coagregando-se ao redor da célula fusiforme. (B) Bactérias dentárias não agregadas Streptococcus gordonii. (C) Bactéria dentária Actinomyces oris isoladamente e em pequenos agregados (PA). (D) Uma mistura de células de Actinomyces oris e Streptococcus gordonii que formam uma massa coagregada (MC). Os coagregados se formaram minutos após a mistura das duas espécies de bactérias.

A coagregação não ocorre entre as espécies A e B porque a adesina da espécie B não se encaixa no receptor triangular da espécie A. A coagregação não ocorre entre as espécies A e C porque não há adesinas na célula da espécie C. No entanto, a adesina da espécie bacteriana D reconhece e adere ao receptor triangular da célula da espécie A, permitindo que as duas espécies se coagreguem.

Unindo Bactérias com Diferentes Capacidades
Ao pensar sobre o motivo da coagregação bacteriana, uma das razões mais óbvias está resumida no título de um artigo conceituado que se concentra na coagregação entre bactérias dentais: “Coaggregation: Adhere today, here tomorrow” (“Coagregação: Aderir hoje, estar aqui amanhã”, em tradução livre) [3].
A coagregação ajuda as bactérias a se tornarem parte de biofilmes, que aderem firmemente às superfícies e não são facilmente removidos pela lavagem. Outras razões para a coagregação envolvem o chamado “ABC”: Alianças, Batalhas e Conspirações. No caso de alianças, a coagregação pode beneficiar ambas as espécies envolvidas.
Por exemplo, as bactérias orais Veillonella atypica e Streptococcus gordonii se coagregam. A V. atypica precisa de ácido lático para crescer e a S. gordonii o produz como resíduo. Ao coagregar-se com a S. gordonii, a V. atypica pode remover o resíduo (o que beneficia a S. gordonii) e utilizá-lo para seu próprio crescimento [4]. Em termos de batalhas, a coagregação pode permitir que uma espécie reconheça e se ligue a outra espécie para matá-la! Este pode ser o caso da bactéria Lacticaseibacillus rhamnosus, que vive no intestino humano e se coagrega com a Escherichia coli para matá-la [5].
Finalmente, em relação às conspirações, a coagregação pode permitir que as bactérias troquem DNA, o material genético necessário para a construção de suas células. Isso pode ajudar as bactérias coagregadas a adquirir novas habilidades, como se tornarem resistentes a um antibiótico [2].
Por que estudar a coagregação?
Os biofilmes são um grande problema para a área da saúde, e também podem causar danos em residências, fábricas e navios. Por exemplo, a placa bacteriana se forma nos dentes e pode causar cáries (e visitas ao dentista). Os biofilmes dentro de tubulações corroem suas superfícies e podem fazer com que a água tenha aparência e sabor ruins, enquanto biofilmes em cascos de navios causam danos e os deixam mais lentos. A coagregação pode ajudar na formação de biofilmes e torná-los resistentes à remoção (por exemplo, com uma escova). Também pode proteger as bactérias de serem mortas por tratamentos químicos (por exemplo, com sabão antimicrobiano).
Impedir a coagregação pode impedir a formação rápida de biofilmes e torná-los mais fáceis de remover. Por exemplo, se pudermos mapear eficientemente as redes de coagregação em biofilmes, poderemos identificar uma espécie bacteriana que se coagrega com muitas outras espécies e direcionar essa espécie para evitar o desenvolvimento de alianças e conspirações. Também pode ser possível usar a coagregação para introduzir espécies em biofilmes em nosso benefício. Por exemplo, cientistas estão tentando descobrir se certas bactérias probióticas coagregadoras (úteis) podem ajudar a mudar o desenvolvimento da placa bacteriana e, possivelmente, prevenir a cárie dentária [6]. Esse tipo de engenharia biológica pode reduzir nossa dependência de tratamentos químicos e antibióticos.
Em última análise, se entendermos como e por que as bactérias se coagregam, podemos descobrir como selecionar comunidades bacterianas coagregadoras que beneficiarão nossa saúde e manterão um ambiente saudável.
Conclusão
Por meio da coagregação, as bactérias podem aderir a outras espécies bacterianas e, uma vez coagregadas, novos comportamentos e habilidades emergem. Estudar uma espécie isoladamente não revelará necessariamente como ela se comportará em um biofilme que contém muitas espécies com as quais pode se coagregar. Alianças, batalhas e conspirações podem ser apenas algumas das interações que ocorrem em biofilmes.
Pode haver um “engano” bacteriano, onde, por exemplo, uma espécie se coagrega com outra e a engana para produzir um nutriente especial. Pode até haver corrupção bacteriana, onde a coagregação faz com que uma ou mais espécies danifiquem outras espécies bacterianas, o ambiente ou o hospedeiro – um grande organismo (por exemplo, uma pessoa) que é colonizado por microrganismos e os abriga.
Em última análise, se pudermos manipular a coagregação, poderemos alterar quais espécies bacterianas estão em um biofilme, como as espécies individuais interagem com o hospedeiro ou o ambiente, ou as propriedades e atividades de toda a comunidade do biofilme. Essa manipulação pode nos ajudar a tratar doenças ou problemas ambientais causados por bactérias — desde a prevenção de cáries até a proteção de cascos de navios.
Glossário
Biofilmes: Um conjunto de bactérias que estão presas a uma interface e umas às outras.
Autoagregação: Agregação de células bacterianas da mesma espécie.
Coagregação: O reconhecimento específico e a ligação de diferentes espécies de bactérias umas às outras.
Adesina: Uma proteína na superfície de uma célula bacteriana que reconhece e se liga especificamente a um receptor em outra célula bacteriana.
Receptor: Uma molécula contendo açúcares complexos na superfície de uma célula bacteriana que é reconhecida por uma adesina.
Redes de Coagregação: Coagregados de mais de duas espécies diferentes que estão ligados entre si por meio de interações específicas.
Probiótico: Bactérias que podem melhorar a saúde interagindo com outras bactérias.
Hospedeiro: Um organismo grande (por exemplo, uma pessoa) que é colonizado e abriga microrganismos.
Referências
[1] Hall-Stoodley, L., Costerton, J. W., e Stoodley, P. 2004. Bacterial biofilms: from the natural environment to infectious diseases. Nat. Rev. Microbiol. 2:95–108. doi: 10.1038/nrmicro821
[2] Katharios-Lanwermeyer, S., Xi, C., Jakubovics, N. S., e Rickard, A. H. 2014. Mini-review: microbial coaggregation: ubiquity and implications for biofilm development. Biofouling 30:1235–1251. doi: 10.1080/08927014.2014.976206
[3] Kolenbrander, P. E., e London, J. 1993. Adhere today, here tomorrow: oral bacterial adherence. J. Bacteriol. 175:3247–3252. doi: 10.1128/jb.175.11.3247-3252.1993
[4] Egland, P. G., Palmer, R.J., e Kolenbrander, P. E. 2004. Interspecies communication in Streptococcus gordonii–Veillonella atypica biofilms: signaling in flow conditions requires juxtaposition. Proc. Natl. Acad. Sci. U S A 101:16917–16922. doi: 10.1073/pnas.0407457101
[5] Reid, G., McGroarty, J. A., Angotti, R., e Cook, R. L. 1988. Lactobacillus inhibitor production against Escherichia coli and coaggregation ability with uropathogens. Can. J. Microbiol. 34:344–351. doi: 10.1139/m88-063
[6] Keller, M. K., Hasslof, P., Stecksen-Blicks, C., e Twetman, S. 2011. Co-aggregation and growth inhibition of probiotic lactobacilli and clinical isolates of mutans streptococci: an in vitro study. Acta. Odontol. Scand. 69:263–268. doi: 10.3109/00016357.2011.554863
Citação
Rickard AH, Hayashi MAL, Redissi AF, Fenno JC e Jakubovics NS (2024) Bacterial Coaggregation: A Way Different Bacteria Come Together. Front. Young Minds. 12:1212262. doi: 10.3389/frym.2023.1212262
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