Diversidade e perturbação: como os mexilhões e as estrelas-do-mar fortalecem a comunidade rochosa no entremarés
Autores
Elliot Hendry, Eric C. Dinger, Karah N. Ammann
Jovens revisores
Alunos da Seward Middle School, Lenore
Resumo
Na zona rochosa entremarés, as marés e as rochas preparam o cenário. Juntas, elas criam um habitat para uma comunidade diversificada de espécies adaptadas a um mundo ora subaquático (durante a maré alta), ora exposto ao ar (na maré baixa). Em algumas áreas protegidas, como os parques nacionais, nós estudamos os ecossistemas rochosos entremarés como indicadores vitais da saúde da natureza. Esse estudo nos ajuda a compreender o impacto das perturbações, que desempenham um papel importante na formação dessas comunidades. Algumas perturbações, como as marés, acontecem diariamente. Outras, como as doenças, podem ocorrer uma vez a cada década. Este artigo explica como as marés e as doenças afetam dois membros importantes das comunidades rochosas entremarés: os mexilhões e as estrelas-do-mar. Explicamos o papel que esses organismos desempenham e o que aconteceu quando as estrelas-do-mar ocres, uma espécie importante nesses habitats, foram vítimas de um grande surto de doença. Por último, enfatizamos a importância de proteger esses ecossistemas vitais para que possamos continuar a aprender sobre a saúde do ambiente natural.
A zona entremarés rochosa
Em todo o mundo, nos lugares onde o oceano encontra a terra, existem ecossistemas entremarés. O termo “entremarés” refere-se aos terrenos que são cobertos e depois descobertos pelas marés (Figuras 1A, B). Nos lugares onde a terra é rochosa, temos os ecossistemas rochosos entremarés onde é comum a formação de poças de maré. As poças de maré abrigam formas de vida únicas, que não são vistas com frequência em outros sistemas entremarés, como as praias arenosas ou os lodaçais.
Na costa ocidental da América do Norte, a zona rochosa entremarés é moldada por marés que têm quatro fases todos os dias: duas marés baixas e duas marés altas. Elas criam quatro zonas dentro da região rochosa entremarés (Figura 1C): (1) zona de borrifo (amortecida pelo borrifo oceânico, ondas altas e tempestades), (2) zona entremarés alta (submersa apenas durante marés muito altas), (3) zona entremarés média (exposta ao ar entre as marés alta e baixa) e (4) zona entremarés baixa (quase sempre submersa). Sem esses quatro habitats, a zona rochosa entremarés não seria tão biologicamente diversa.
Assim como as marés, as doenças também moldam as comunidades entremarés. As doenças prejudicam frequentemente determinadas espécies, o que por sua vez afeta as relações comunitárias. Uma doença recente, chamada síndrome da perda de estrelas-do- mar, afetou muitas espécies de estrelas-do-mar ao longo da costa ocidental da América do Norte [1] e uma dessas espécies (a estrela ocre) desempenha um papel importante na formação de comunidades rochosas entremarés. Ambas as formas de perturbação – marés e doenças – são engenheiras naturais que alteram essas comunidades.
Enquanto as marés aumentam a biodiversidade ao criar zonas múltiplas, as doenças tendem a reduzi-la.
Quem estuda essas coisas?
Os cientistas do Serviço Nacional de Parques dos Estados Unidos estudam zonas rochosas entremarés em colaboração com outros cientistas, como parte da rede de pesquisas Multi-Agency Rocky Intertidal Network [2]. Juntos, analisamos os animais marinhos e as algas-marinhas, bem como as temperaturas da superfície do mar. O acompanhamento das temperaturas da superfície do mar é importante porque nos dá informações de como o aquecimento global está afetando os organismos marinhos. As temperaturas da superfície do mar também podem ser importantes para a compreensão da síndrome da perda de estrelas-do-mar.
Pela observação atenta das comunidades rochosas entremarés, podemos compreender como elas respondem a perturbações como marés, doenças, mudanças de temperatura, tempestades, vazamentos de petróleo ou pesca. Podemos usar essas informações para tomar decisões inteligentes sobre como gerir parques que possuem ecossistemas rochosos entremarés.
Invertebrados importantes: mexilhões e estrelas-do-mar
Todos os anos, em parques nacionais ao longo da costa oeste dos Estados Unidos, examinamos comunidades rochosas entremarés. Tiramos fotos e fazemos medições, muitas vezes saindo bem cedo pela manhã na maré baixa. Algumas espécies são comuns e fáceis de encontrar; outras, não. Muitas são espécies pequenas, como algas ou pequenos invertebrados (como caracóis), que vivem em canteiros de mexilhões e que muitas vezes cobrem grande parte da zona média entre as marés. Num canteiro de mexilhões, muitas vezes encontramos centenas dessas espécies escondidas em áreas não maiores do que um pequeno quintal! Essas criaturas crípticas são importantes fontes de alimento para muitos animais maiores.
Assim como os animais crípticos (isto é, capazes de se camuflarem para se confundirem com o ambiente) que alimentam, os mexilhões também são invertebrados. O mexilhão mais comum nesta parte dos Estados Unidos é o mexilhão da Califórnia (Figura 2A). Os mexilhões da Califórnia estão bem adaptados à zona rochosa entremarés. Eles ocupam principalmente habitats entremarés baixos e médios, onde há água suficiente para evitar que sequem. Formam grossas camadas nas quais vivem amontoados aos milhares. Quando as ondas quebram, as camadas de mexilhões diminuem a velocidade da água que passa por eles, reduzindo seu impacto sobre outros animais.
Os mexilhões da Califórnia fazem pequenos fios que os prendem uns aos outros e às rochas onde vivem, para mantê-los no lugar. As camadas de mexilhões criam um habitat para os animais crípticos e retêm a comida que esses animais comem. Os mexilhões da Califórnia não apenas fornecem alimento para esses animais como também servem de nutrição para predadores como estrelas-do-mar e alguns caracóis. Os mexilhões da Califórnia estão bem no meio da cadeia alimentar rochosa entremarés, fornecendo fontes essenciais para outros membros da comunidade.
A mais importante estrela-do-mar da região entremarés nessa área costeira do oceano Pacífico é a estrela ocre (Figuras 2B-E). Assim como os mexilhões da Califórnia, as estrelas ocres são invertebrados que ocupam principalmente habitats em entremarés baixas e médias. Nós já sabemos que, quando removemos as estrelas ocres da comunidade, a população de mexilhões da Califórnia aumenta [2]. Isso acontece porque o tamanho do habitat rochoso entremarés é restrito à área coberta e descoberta pelo oceano a cada dia, e o espaço para animais e algas é limitado.
Os mexilhões da Califórnia são muito bons em competir por espaço na rocha. Quando estrelas ocres estão presentes, elas mantêm as populações de mexilhões sob controle, criando espaço para outras espécies viverem. Mas, quando faltam estrelas ocres, os mexilhões podem rapidamente assumir o controle do habitat aberto e excluir outras espécies. As estrelas ocres conseguem assim aumentar a biodiversidade de espécies que precisam aderir às rochas para sobreviver.
Em comparação com os mexilhões da Califórnia, que são abundantes, as estrelas ocres são raras e possuem menos biomassa. Apesar de sua baixa biomassa, seu impacto nas comunidades entremarés rochosas é enorme [3]! Por essa razão, as estrelas ocres são consideradas uma espécie-chave. Na verdade, elas foram as primeiras espécies que os ecologistas usaram para definir o conceito de espécies-chave, espécies que (como a estrela ocre) têm enormes impactos apesar de sua baixa biomassa. Sabemos agora que todos os ecossistemas – terrestres, de água doce, marinhos e intermediários – possuem espécies-chave. A perda de uma espécie-chave tem um grande impacto. Sem as estrelas ocres, a biodiversidade diminuiria.
A síndrome da perda de estrela-do-mar e a recuperação da estrela ocre
Em 2013, cientistas do Parque Nacional Olímpico, no Estado de Washington (Estados Unidos), descobriram um surto de síndrome da perda de estrelas-do-mar. Essa doença vinha matando estrelas-do-mar em grande quantidade, desde San Diego, no sul da Califórnia, até o Alasca. Ninguém sabe ao certo de onde veio essa doença, mas alguns pensam que há uma ligação com as altas temperaturas da superfície do mar. Embora tenha matado muitas espécies diferentes de estrela-do-mar, uma das mais atingidas foi a estrela ocre [1]. Quando a população dessa espécie-chave diminuiu, o que você pensa que aconteceu com as populações de mexilhões? Como esperado, as populações de mexilhões aumentaram em alguns lugares, mas não em todos. Não sabemos exatamente por que isso acontece, mas estamos estudando se outros fatores além da presença de estrelas ocres podem influenciar o aumento das populações de mexilhões.
Dois anos após a extinção, as populações de estrelas ocres começaram a voltar em alguns lugares, mas não em toda parte. Nos locais em que as populações estavam se recuperando, havia um novo problema: as novas estrelas ocres eram todas filhotes e as estrelas ocres filhotes não comiam tanto quanto as adultas (Figura 3). Em outras palavras, elas não exerciam tanta pressão de predação sobre os mexilhões [4].
Por que isso importa? Sem a pressão de predação das estrelas marinhas adultas, as populações de mexilhões podem crescer muito rapidamente. Eles competirão com outras espécies que precisam do mesmo habitat. Assim, mesmo onde o número de estrelas ocres voltou, as populações de mexilhões não diminuíram imediatamente [4]. A comunidade precisava de estrelas ocres adultas para que isso acontecesse, e estrelas filhotes levam cinco anos para amadurecer e alcançar a idade adulta. Quando as estrelas ocres amadurecem, as populações de mexilhões diminuem e a biodiversidade de animais e algas presas às rochas aumenta novamente. Esperamos que as estrelas ocres filhotes permaneçam livres da síndrome da perda de estrelas-do-mar e cresçam para recuperar seu papel como espécie-chave.
Desde o surto da doença, continuamos a fazer pesquisas todos os anos. Nos parques do Redwood National and State Parks, no norte da Califórnia, as estrelas ocres parecem estar se recuperando – um bom sinal para a comunidade! No parque Channel Islands National Park, talvez não seja o caso. Por que a diferença? Ainda não sabemos, mas continuaremos a estudar esses ecossistemas por muito tempo. Quanto mais dados pudermos reunir sobre todos os elementos que moldam as comunidades rochosas entremarés, maior será nossa compreensão. Isso inclui o estudo de algas-marinhas, animais, temperaturas da água e do ar, e outros distúrbios biológicos ou ambientais.
Conclusão
As pessoas estudam zonas rochosas entremarés há décadas, o que nos deu uma compreensão clara de como são as comunidades rochosas entremarés saudáveis. A costa oeste da América do Norte possui espécies-chave (estrelas-do-mar), camadas de mexilhões e muitos organismos crípticos. As marés criam quatro tipos de habitats, proporcionando um local adequado para todas as espécies entremarés. A zona entremarés rochosa é um ecossistema vital que conecta o oceano à terra.
O Serviço Nacional de Parques dos Estados Unidos desempenha um papel importante na proteção da zona rochosa entremarés. À medida que estudarmos o impacto da síndrome da perda de estrelas-do-mar, continuaremos aprendendo. Caso a temperatura da superfície do mar tenha algo a ver com essa doença, ficaremos atentos a surtos de doenças quando as temperaturas voltarem a subir. Nosso trabalho nos permite administrar nossos parques para proteger as comunidades rochosas entremarés quando elas são especialmente vulneráveis. À medida que o clima da Terra continuar a mudar e as atividades humanas afetarem as zonas rochosas entremarés, monitorar as mudanças será especialmente importante. Se você quiser se envolver, por favor considere a possibilidade de ingressar em grupos de ciência cidadã, para que você também possa pesquisar essas belas comunidades entremarés [2].
Glossário
Zonas entremarés: Os diferentes espaços da zona costeira entre o nível de água mais baixo e o nível de água mais alto, onde o nível de água é determinado pelas marés.
Síndrome da perda de estrelas-do-mar: Doença de muitas espécies de estrelas-do-mar, com sintomas incluindo lesões, tecido em decomposição e por fim a morte. O recente surto é a maior mortalidade por doenças marinhas já registrada.
Biodiversidade: Todos os diferentes tipos de vida encontrados em uma área.
Críptico: Animal que, por coloração ou marcas, se camufla em seu ambiente natural, expediente que muitas vezes reduz a predação.
Invertebrado: Animal de sangue frio sem espinha dorsal.
Biomassa: Quantidade ou massa total de organismos vivos em uma determinada área ou ecossistema. A biomassa pode se referir à biomassa da espécie, que é a massa total de uma ou mais espécies em uma área.
Espécies-chave: Espécie que afeta mais o ambiente do que sua biomassa sugere, como os castores, que constroem diques e criam novas zonas úmidas, ou as lontras-marinhas, que comem ouriços, permitindo o florescimento das florestas de algas.
Pressão de predador: Limitação, por parte dos predadores (organismos que comem outros organismos), do número de presas (organismos que são comidos).
Ciência cidadã: Ciência feita com a colaboração do público em geral. Os cientistas, geralmente, orientam e ajudam a capacitar as comunidades locais para que se envolvam em pesquisas locais ou mesmo em estudos globais.
Referências
[1] Miner, C. M., Burnaford, J. L., Ambrose, R. F., Antrim, L., Bohlmann, H., Blanchette, C. A. et al. 2018. “Large-scale impacts of sea stars wasting disease (SSWD) on intertidal sea stars and implications for recovery”. PLoS ONE 13:e0192870. DOI: 10.1371/journal.pone.0192870.
[2] MARINe 2021. Sea Star Wasting Syndrome. MARINe. Disponível online em: seastarwasting.org (acessado em 2 de maio de 2021).
[3] Paine, R. T. 1966. “Food web complexity and species diversity.” Am. Naturalist. 100:65–75. DOI: 10.1086/282400.
[4] Moritsch, M. M. e Raimondi, P. T. 2018. “Reduction and recovery of keystone predation pressure after disease-related mass mortality.” Ecol. Evol. 8:3952– 64. DOI: 10.1002/ece 3.3953.
Citação
Hendry, E., Ammann, K.N. e Dinger, E.C. (2022). “Diversity and disturbance: how mussels and sea stars strengthen the rocky intertidal community.” Front. Young Minds. 10:715965. DOI: 10.3389/frym.2022.715965.
Este é um artigo de acesso aberto distribuído sob os termos da Creative Commons Attribution License (CC BY). O uso, distribuição ou reprodução em outros fóruns é permitido, desde que o(s) autor(es) original(is) e o(s) proprietário(s) dos direitos autorais sejam creditados e que a publicação original nesta revista seja citada, de acordo com a prática acadêmica aceita. Não é permitido nenhum uso, distribuição ou reprodução que não esteja em conformidade com estes termos.
Encontrou alguma informação errada neste texto?
Entre em contato conosco pelo e-mail:
parajovens@unesp.br