O que as ondas de rádio nos ensinam sobre o universo?
Autores
Jovens revisores
Escola Green Bank de Ensino Fundamental e Médio
Resumo
A radioastronomia nasceu em 1933, quando o engenheiro Karl Jansky descobriu que ondas de rádio são emitidas não só pelas invenções humanas, mas também por fontes naturais no espaço. Desde então, os astrônomos passaram a construir telescópios cada vez melhores a fim de encontrar essas ondas de rádio cósmicas e aprender mais sobre os lugares de onde elas vêm, pois isso pode nos dizer muito a respeito do universo. Os cientistas extraem importantes informações da luz visível, que captam com telescópios comuns; e conseguem detectar vários objetos e eventos –buracos negros, berçários de estrelas, planetas no instante de seu nascimento, mortes de estrelas etc– usando radiotelescópios. Usados juntos, os telescópios que captam diferentes ondas –de rádio, luz visível e raios gama– podem nos fornecer um quadro mais completo do universo do que teríamos usando um tipo de telescópio apenas.
Quando você contempla o céu noturno, pode ver as luzes brilhantes das estrelas. Se você mora num lugar escuro, longe das cidades, pode avistar milhares delas. Entretanto, os pontos isolados que avistamos são todos estrelas próximas. Apenas na nossa galáxia, que se chama Via Láctea, existem aproximadamente outros cem bilhões, de estrelas. Além da Via Láctea, segundo os astrônomos, existem cerca de cem bilhões de galáxias (cada qual com seus cem bilhões de estrelas). Quase todas essas estrelas são invisíveis a nossos olhos, que são incapazes de perceber sua luz fraca porque elas estão muito longe.
Nossos olhos também não percebem outras coisas. A luz visível, que nossos olhos conseguem ver, é apenas uma pequena porção daquilo que os astrônomos chamam de “espectro eletromagnético”, que é o leque total das diferentes ondas luminosas que existem. O espectro eletromagnético inclui ainda os raios gama, os raios X, a radiação ultravioleta, a radiação infravermelha, as micro-ondas e as ondas de rádio. Como o olho humano só consegue perceber a luz visível, temos de construir telescópios especiais para captar o resto desse “espectro” – e transformá-lo em imagens e gráficos que podemos ver.
O que é uma onda de rádio?
A luz é constituída por partículas minúsculas chamadas “fótons”. Na luz visível, os fótons possuem uma quantidade média de energia. Quando possuem mais, tornam-se radiação ultravioleta, que você não vê, mas sente na pele quando ganha uma bela queimadura de sol. Quando têm ainda mais energia, os fótons se transformam em raios X, que conseguem atravessar seu corpo. Se os fótons possuem mais energia ainda, tornam-se raios gama: esses vêm das estrelas que explodiram.
Porém, quando os fótons possuem um pouco menos de energia do que os da luz visível, são conhecidos como radiação infravermelha. Você os sente como calor. Finalmente, damos aos fótons com a menor quantidade de energia o nome de “ondas de rádio”. Estas nos chegam de estranhos lugares no espaço – os lugares mais frios, mais antigos que existem e estrelas com uma enorme porção de matéria compactada num espaço pequeno. As ondas de rádio nos falam sobre partes do universo de cuja existência sequer suspeitaríamos caso usássemos apenas nossos olhos ou os telescópios que detectam fótons visíveis.
Comprimento e frequência de onda
Os radioastrônomos se valem dos fótons de rádio para aprender mais sobre o universo invisível. Os fótons viajam em ondas, como se estivessem numa montanha-russa que usa sempre os mesmos dois trilhos [1]. O tamanho de uma onda de fóton – seu “comprimento de onda” – revela sua energia. A Figura 1 mostra ondas com dois diferentes comprimentos. Se a onda é longa, tem pouca energia; se é curta, tem muita. As ondas de rádio são fracas, isto é, grandes e compridas: podem ter centenas de metros ou somente alguns centímetros entre seus picos.
Os astrônomos também detectam quantas dessas ondas passam por determinado ponto em um segundo: é a “frequência” das ondas de rádio. Para dar uma ideia do que é a frequência, imagine uma lagoa. Se você jogar uma pedra na água, ondas se formarão na superfície. E se entrar na lagoa, ondas baterão em seus tornozelos. O número de ondas que baterem em você por segundo lhe dirá a frequência delas. Uma onda por segundo equivale a 1 hertz (Hz); um milhão, a 1 mega-hertz (MHz). Se as ondas forem longas, poucas baterão em você por segundo: portanto, as ondas longas têm frequências pequenas. As ondas de rádio são longas e suas frequências são pequenas.
Pioneiros do rádio
O primeiro radioastrônomo não imaginava que se tornaria o primeiro radioastrônomo! Em 1933, um homem chamado Karl Jansky estava trabalhando em um projeto para os Laboratórios Bell, em Nova Jersey, que tomaram seu nome do inventor do telefone, Alexander Graham Bell. Engenheiros da empresa desenvolviam o primeiro sistema telefônico que funcionou entre as duas margens do oceano Atlântico. Quando as pessoas tentavam fazer uma chamada por esse sistema, ouviam um som sibilante no fundo, em determinadas horas do dia.
Os executivos do laboratório concluíram que esse ruído seria ruim para os negócios e encarregaram Karl Jansky de descobrir o que o provocava. Ele notou que o som sibilante começava quando a parte média de nossa galáxia subia no céu e silenciava quando ela descia (tudo no céu sobe e desce, tanto quanto o Sol e a Lua). Concluiu então que as ondas de rádio provenientes do centro da galáxia estavam atrapalhando a conexão telefônica e provocando o ruído. Ele – e o telefone – haviam detectado ondas de rádio oriundas do espaço [1]. Jansky desvendara um universo novo, invisível. Você pode ver a antena que Karl Jansky usou para detectar ondas de rádio vindas do espaço na Figura 2.
Inspirado pela descoberta de Jansky, um homem chamado Grote Reber construiu um radiotelescópio no quintal de sua casa, em Illinois. Terminou a construção do aparelho, que tinha 10 m de diâmetro, em 1937 e usou-o para observar o céu inteiro a fim de descobrir de onde vinham as ondas de rádio. Depois, com base nos dados coletados por meio do radiotelescópio, desenhou o primeiro mapa do “radiocéu” [2].
Sobre o radiotelescópio
Você consegue ver a luz visível porque os fótons dessa luz viajam em ondas pequenas e seus olhos são pequenos também. No entanto, como as ondas de rádio são grandes, seus olhos precisariam ser grandes para detectá-las. Por isso, enquanto os telescópios comuns têm poucos centímetros ou metros de diâmetro, os radiotelescópios são bem maiores. O de Green Bank, na Virgínia Ocidental, tem mais de 100 m de diâmetro e aparece na Figura 3; o de Arecibo, na selva de Porto Rico, quase 300 m. Lembram versões gigantes de antenas parabólicas de televisão, mas funcionam como telescópios comuns.
Usamos o telescópio comum apontando-o para um objeto no espaço. A luz proveniente desse objeto incide num espelho ou lente, que a envia para outro espelho ou lente, que a envia para seu olho ou uma câmera.
Quando um astrônomo aponta um radiotelescópio para algo no espaço, as ondas de rádio provenientes dali atingem a superfície do aparelho. A superfície – que pode ser de metal com buracos (chamados “malha”) ou de metal compacto, por exemplo o alumínio – funciona como um espelho para as ondas. Envia-as para um segundo “radioespelho” e depois para o que os astrônomos chamam de “receptor”. O receptor faz o que uma câmera faz: transforma as ondas em imagem. Essa imagem mostra até que ponto as ondas são fortes e o lugar do céu de onde vieram.
Radiovisão
Quando os astrônomos procuram ondas de rádio, veem mais objetos e eventos diferentes do que quando procuram luz visível. Lugares que parecem escuros a nossos olhos ou a telescópios comuns brilham graças às ondas de rádio. Os locais onde as estrelas se formam, por exemplo, estão cheios de poeira, que impede a luz de chegar até nós e faz a área toda parecer uma mancha preta. Todavia, quando os astrônomos dirigem seus radiotelescópios para esse ponto, conseguem enxergar através da poeira: ou seja, conseguem assistir ao nascimento de uma estrela.
As estrelas nascem como nuvens gigantes de gás no espaço. Primeiro, esse gás se adensa, formando uma bolha; depois, em virtude da gravidade, mais e mais gás é atraído para a bolha original. Esta vai ficando cada vez maior e mais quente. Quando está grande e quente o bastante, começa a comprimir átomos de hidrogênio, os menores que existem, uns contra os outros, até que eles formem o hélio, cujos átomos são um pouco maiores. Pronto: a bolha de gás se tornou oficialmente uma estrela! Os radiotelescópios conseguem tirar fotografias dessas estrelas-bebês [3].
Mas os radiotelescópios podem também revelar os segredos de estrelas mais próximas. A luz do Sol que vemos vem das proximidades da superfície e sua temperatura é de mais ou menos 13.000ºC. Entretanto, acima da superfície, a temperatura chega a 38.000ºC. Os radiotelescópios nos ajudam a aprender mais sobre essas áreas quentes, que emitem ondas de rádio.
Os planetas de nosso sistema solar também emitem ondas de rádio. Os radiotelescópios mostram os gases que redemoinham em volta de Urano e Netuno, além da maneira como se movem. Os polos norte e sul de Júpiter se iluminam graças às ondas de rádio. Se enviarmos ondas de rádio na direção de Mercúrio e as captarmos de volta por um radiotelescópio, poderemos traçar um mapa quase tão bom quanto o Google Earth [4].
Quando são apontados para muito longe, os radiotelescópios nos mostram os objetos mais estranhos do universo. Muitas galáxias têm buracos negros supermassivos em seu centro. Os buracos negros são objetos com uma massa enorme comprimida num espaço pequeno. Essa massa lhes dá tamanha gravidade que nada, nem mesmo a luz, pode escapar de sua atração. Os buracos negros engolem estrelas, gás e qualquer outra coisa que chegue muito perto. Quando esses objetos desavisados sentem a força do buraco negro, primeiro volteiam em espirais em torno dele e vão se aproximando cada vez mais depressa. Enormes jatos, ou colunas, de radiação eletromagnética e matéria que não mergulham no buraco negro (às vezes de altura maior que a largura de uma galáxia) se formam em cima e embaixo dele. Os radiotelescópios mostram esses jatos em ação (Figura 4).
Objetos massivos como os buracos negros distorcem o tecido do espaço, chamado espaço-tempo. Imagine uma bola de boliche, que pesa muito, colocada numa cama elástica: esta se estica para baixo. Matéria pesada no espaço faz com que o espaço-tempo se estique do mesmo modo que a cama elástica. Quando ondas de rádio provenientes de galáxias distantes percorrem essa área distorcida até chegar à Terra, sua forma se comporta exatamente como a de uma lente de aumento: os telescópios, então, veem uma imagem maior e mais brilhante da galáxia longínqua.
Os radiotelescópios também ajudam a desvendar um dos grandes mistérios do universo: o que é a energia escura? O universo está ficando maior a cada segundo. E a cada segundo vai se expandindo mais e mais rapidamente porque a “energia escura” é o oposto da gravidade: em vez de puxar, empurra, fazendo com que as coisas se afastem umas das outras. Mas qual é a força da energia escura?
Os radiotelescópios podem ajudar os cientistas a responder a essa pergunta rastreando os “megamasers” que ocorrem naturalmente em algumas regiões do espaço. Eles são como o laser na Terra, mas emitem ondas de rádio em vez de luz vermelha ou verde, que podemos ver. Os cientistas usam os megamasers para captar os detalhes da energia escura [5]. Quando conseguem determinar a que distância os megamasers estão de nós, podem determinar também a distância das diferentes galáxias e calcular a velocidade com que elas se afastam da Terra.
Uma caixa de ferramentas completa
Se tivéssemos apenas telescópios capazes de captar a luz visível, ignoraríamos muito do que se passa no universo. Imagine se um médico dispusesse apenas de um estetoscópio como instrumento de diagnóstico. Ele conseguiria avaliar os batimentos cardíacos do paciente, mas descobriria muito mais se contasse com um aparelho de raios X ou equipamentos de ultrassom, tomografia e ressonância magnética. Com essas máquinas, obteria um quadro bem mais completo do que se passa no interior do corpo do paciente. Os astrônomos usam radiotelescópios juntamente com telescópios que captam raios ultravioleta, infravermelhos, óticos, raios X e raios gama pelo mesmo motivo: obter um quadro completo do que acontece no universo.
Glossário
Espectro eletromagnético: A luz visível que podemos enxergar é apenas uma parte mínima do “espectro eletromagnético”. Ela é constituída de fótons com carga média de energia. Fótons com carga maior são a radiação ultravioleta, os raios X e os raios gama (estes últimos, os que têm mais energia). Os que têm carga menor são os raios infravermelhos e as ondas de rádio (estes últimos, os que têm menos energia).
Fóton: A luz é constituída por partículas chamadas fótons, que viajam em ondas.
Comprimento de onda: Tamanho da onda na qual o fóton viaja.
Frequência: Número de ondas luminosas que passa por um ponto em um segundo.
Hertz: Hz significa que uma onda passa por um ponto em um segundo. Um mega-hertz significa que um milhão de ondas passa por um ponto a cada segundo.
Receptor: Parte de um radiotelescópio que capta as ondas de rádio e as transforma em imagem.
Energia escura: A energia escura atua como o oposto da gravidade e afasta os objetos do espaço uns dos outros.
Megamaser: Um laser natural no espaço que envia ondas de rádio em vez da luz vermelha ou verde projetada por um dispositivo de laser.
Referências
[1] Jansky, K. G. 1993. “Radio waves from outside the solar system.” Nature 32, 66. DOI: 10.1038/132066a0.
[2] Reber, G. 1944. “Cosmic static.” Astrophys. J. 100, 297. DOI: 10.1086/144668.
[3] McKee, C. F. e Ostriker, E. 2007. “Theory of star formation.” Annu. Rev. Astron. Astrophys. 45, 565–687. DOI: 10.1146/annurev.astro.45.051806.110602.
[4] Ostro, S. J. 1993. “Planetary radar astronomy.” Rev. Mod. Phys. 65, 1235–79. DOI: 10.1103/RevModPhys.651235.
[5] Henkel, C., Braatz, J. A., Reid, M. J., Condon, J. J., Lo, K. Y, Impellizzeri, C. M. V. et al. “Cosmology and the Hubble constant: on the megamaser cosmology project (MCP).” IAU Symp. 287, 301. DOI: 10.1017/S1743921312007223.
Citação
Scoles, S. (2016). “What do radio waves tell us about the universe?” Front. Young Minds. 4:2. DOI: 10.3389/frym.2016.00002.
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