O sentido de olfato dos mosquitos: o que é isso?
Autores
Julien Grimaud, Kaledora Kiernan-Linn, Karina Pimenta
Jovens revisores
Dhanvi, Shivasai, Spandana, Sravya 2, Yajurvi
Resumo
Se você se sente como se atraísse mosquitos, saiba que tem toda a razão. As fêmeas da maioria das espécies de mosquitos precisam consumir sangue para produzir ovos, e usam sentidos especializados para descobrir o próximo lanche. A saliva que deixam depois de dar uma “picadinha” pode causar desde uma pequena coceira até inchaços dolorosos e febre. Esses insetos sedentos usam sua capacidade de detectar dióxido de carbono, moléculas de odor e calor para encontrar comida. Neste artigo, discutimos os fundamentos do olfato nos mosquitos: como eles cheiram, como é seu “nariz” e como detectam especificamente humanos como você. Os mosquitos fazem muito mais que zumbir e picar! Uma melhor compreensão de como detectam odores e encontram presas pode ser a chave para a proteção contra as doenças que causam.
Os fundamentos
Você já saiu da piscina apenas para ficar matando mosquitos o tempo todo? Termina o verão com as pernas cheias de picadas? Os mosquitos o perseguem? Pois saiba que você não é exceção. As fêmeas da maioria das espécies de mosquitos precisam consumir sangue para produzir ovos e usam sentidos especializados para descobrir o próximo lanche. A saliva que deixam depois de uma “picadinha” causa desde uma pequena coceira até inchaços dolorosos e febre. Embora, aparentemente, não exista uma razão única para que você os atraia, alguns fatores podem torná-lo particularmente apetecível.
Os mosquitos usam muitos sinais para rastrear suas refeições, como o calor corporal e os níveis de dióxido de carbono (CO2), que lhes dizem que por perto há um animal respirando. Os mosquitos podem sentir o CO2 a uma distância de aproximadamente 100 metros! Ao encontrar um alvo potencial, aproximam-se usando o olfato e seguem o delicioso odor até chegar bem perto [1]. Em seguida, passam a detectar o calor, a fim de descobrir a área perfeita para pousar em sua pele e picar. Como os mosquitos realmente farejam você? E – considerando-se que existem 3.559 espécies de mosquitos no mundo – por que todas elas parecem querer picar mais algumas pessoas do que outras [1]?
Como os mosquitos cheiram as coisas?
Vamos primeiro nos concentrar na biologia básica do sentido do olfato, que é um sistema complexo e muitíssimo preciso. O olfato detecta moléculas que penetram em seu nariz ou flutuam ao redor das antenas dos mosquitos. Um cheiro como o de chocolate ou de grama recém-cortada é feito de centenas de diferentes moléculas de odor detectadas juntas. Você sem dúvida já sentiu o aroma de perfume, de baunilha ou de limão. Imagine que esses aromas sejam uma bela peça musical. Nossos ouvidos misturam as notas de um acorde para produzir um som e nossos narizes misturam muitas moléculas para formar um cheiro específico.
Cada um dos muitos tipos de moléculas de odor é detectado por umneurôniosensorialolfativo específico (NSO) localizado no nariz. Os NSOs e as moléculas de odor funcionam mais ou menos como fechaduras e chaves. Cada chave abre uma fechadura específica, exatamente como cada molécula de odor é detectada por um NSO específico. Alguns mosquitos têm cerca de 80 tipos diferentes de NSOs, mas esse número nem chega perto dos 350 encontrados em nosso nariz [2, 3]!
Os NSOs dizem para o cérebro quais moléculas de odor foram detectadas. Como cada NSO detecta uma molécula específica e os odores são feitos de centenas de moléculas diferentes, a informação enviada ao cérebro é como uma lista de moléculas de odor individuais. O cérebro deve ler a lista e descobrir qual é o odor correspondente. A isso se dá o nome de código olfativo, que pode ser considerado quase infinito. É como a escrita: só temos 26 letras na língua portuguesa, mas com elas podemos escrever milhares de palavras. Da mesma forma, temos 350 tipos de NSOs, mas conseguimos reconhecer milhares de odores diferentes – alguns estudiosos afirmam mesmo que somos capazes de identificar mais de um trilhão [2, 3]!
Como é o nariz de um mosquito?
Insetos como os mosquitos não têm narizes como os dos seres humanos, e sim vários órgãos olfativos que se projetam do corpo, cada um atuando como um pequeno nariz. Você provavelmente já sabe quais são esses órgãos. Nos mosquitos adultos, são as antenas, a probóscide (a parte da boca que se projeta para cutucá-lo) e os palpos maxilares (as pequenas garras ao redor da cara) (Figura 1) [1]. Os mosquitos têm pequenas cerdas sensoriais nas antenas. Você deve ter visto esses pelos eriçados em fotos de insetos. Todos esses órgãos são cobertos por NSOs, que permitem aos mosquitos detectar moléculas de odor flutuando nas proximidades.
Como é a “aparência” desses odores no cérebro do mosquito?
Agora que você sabe que os mosquitos captam os odores do ambiente, vamos discutir como é a “aparência” desses odores em seus cérebros. Quando um NSO detecta uma molécula de odor, ele o reporta ao cérebro do inseto, enviando um sinal para uma estrutura chamada glomérulo, encontrada na parte frontal do órgão, em uma região chamada lóbulo antenal (Figura 1). Os glomérulos são aglomerados circulares de terminações de células cerebrais, onde os braços dos NSOs, chamados axônios, entram em contato com os braços de outras células cerebrais (Figura 2). Você pode imaginar os glomérulos como os locais onde as células cerebrais “apertam as mãos” e transmitem informações sobre odores.
Ao entrar em contato com os glomérulos, os NSOs estão muito organizados: todos os que detectam um tipo específico de molécula de odor enviam suas terminações para o mesmo glomérulo (Figura 2). Isso significa que os glomérulos combinam informações oriundos de muitos NSOs diferentes em várias partes dos órgãos olfativos do mosquito. Os cientistas chamam esses glomérulos de “mapa de odor” porque cada glomérulo transmite a presença de uma molécula de odor específica [1, 4]. Nos glomérulos, as células que “apertam as mãos” dos NSOs retransmitem informações olfativas do lóbulo antenal para partes mais profundas do cérebro do mosquito – daí seu nome: neurônios de projeção (Figura 1).
Faltam pesquisas sobre a etapa seguinte na detecção de odores pelo cérebro do mosquito, os neurônios de ordem superior. Felizmente, muitas já foram feitas sobre um inseto relacionado: a mosca-da-fruta.
O último ancestral comum das moscas-das-frutas e dos mosquitos viveu há 260 milhões de anos, mas seus cérebros são muito parecidos. Nas moscas, os neurônios de projeção têm como alvo regiões chamadas de chifrelateral e corpodecogumelo. Os cientistas acreditam que essas regiões no cérebro do mosquito apresentem semelhanças… e também nos cérebros dos humanos [1, 5]! Assim como acontece com as moscas e os mosquitos, nossos NSOs enviam seus braços para os glomérulos, que formam um mapa de odores em nosso cérebro [3]. Podemos não ter semelhança alguma com mosquitos, e estar separados deles por mais de 800 milhões de anos de evolução, mas a biologia básica de nossos órgãos sensoriais é surpreendentemente parecida.
Como os mosquitos sabem a quem devem picar?
Você agora entende como os mosquitos – e os humanos – sentem o odor. Voltemos então à nossa pergunta original: como os mosquitos sabem que devem picar você? Pesquisas recentes sugerem que os mosquitos têm em suas antenas NSOs específicos para detectar o ser humano, permitindo-lhes captar moléculas de odor de nosso suor [6]. Para testar essa teoria, pesquisadores removeram as antenas de um grupo de mosquitos. Esses mosquitos sem antenas rastrearam refeições futuras por meio da detecção de CO2 e calor. No entanto, se deram mal quando tentaram detectar humanos [6]. A molécula específica de odor humano que eles não detectaram mais era o ácidoláctico – uma molécula secretada pela pele quando suamos.
O NSO que ajuda os mosquitos a detectar o ácido láctico é chamado Ir8a. Quando os pesquisadores “eliminaram” esse NSO, descobriram que os mosquitos já não se sentiam tão atraídos pelos humanos – só os perseguiam com metade da frequência [6]! Isso significa que as pessoas com níveis mais elevados de ácido láctico na pele talvez tenham um cheiro mais atraente para os mosquitos. O ácido láctico é subproduto de um processo a que as células recorrem para produzir energia quando você se exercita ou pratica esportes. Assim, as pessoas que acabam de se exercitar ficam com mais ácido láctico e se tornam um petisco mais saboroso para os mosquitos.
E agora?
O ácido láctico é o principal ingrediente do odor do corpo humano que atrai mosquitos. Mas não conhecemos todos os outros odores complexos que talvez tornem os humanos especialmente irresistíveis para esses insetos. A boa notícia aqui é que a pergunta continua aguardando uma resposta – e você poderá ser no futuro o cientista que a encontrará! Se tiver sucesso, talvez consiga até criar a armadilha perfeita para mosquitos, acabando de vez com todo esse zumbido e coceira. Mais importante ainda, muitas doenças, como a malária, a Zika e a dengue, são transmitidas por mosquitos. Descobrir o que fazer para que mosquitos infectados parem de nos picar e transmitir doenças tem sérias implicações positivas para a vida humana.
Não podemos garantir um verão livre de insetos, mas sprays que disfarçam o odor humano ajudam bastante. É útil substituir nosso odor humano por algum cheiro de que os mosquitos não gostem, como o do eucalipto. Tomar banho logo após os exercícios também é importante, pois eles fazem com que os músculos liberem o ácido láctico farejado pelos mosquitos. Se tudo mais falhar, abrace um amigo que não foi picado: talvez alguns dos repelentes químicos que ele usou passem para sua pele!
Glossário
Olfato (ou sentido do olfato): Capacidade de detectar moléculas de odor no ar. Nos humanos, o órgão do olfato é o nariz.
Neurônios sensoriais olfativos (NSOs): Células que detectam e transmitem informações sobre odores dos órgãos olfativos para o cérebro.
Glomérulos: No sistema olfativo do inseto, um aglomerado esférico de terminações nervosas localizadas dentro do lóbulo antenal do cérebro.
Axônio: Extensão de um neurônio com a qual ele se conecta com os neurônios vizinhos e transmite-lhes informações.
Neurônios de projeção: Aqueles cujos axônios se estendem desde o glomérulo até regiões mais profundas do cérebro do mosquito, como o chifre lateral e o corpo de cogumelo.
Chifre lateral: Centro de processamento de ordem superior no cérebro do inseto, com o qual os neurônios de projeção se conectam.
Corpo de cogumelo: Dois centros de processamento em forma de cogumelo no cérebro do inseto, compostos por muitos neurônios densamente compactados. Os neurônios de projeção saem daí para o chifre lateral.
Ácido láctico: Molécula de odor produzida pelo corpo quando este está com pouco oxigênio e precisa converter açúcar em energia; isso acontece quando nos exercitamos. O ácido láctico aparece no suor.
Referências
[1] Wheelwright, M., Whittle, C. R. e Riabinina, O. 2021. “Olfactory systems across mosquito species.” Cell Tissue Res. 383:75–90. DOI: 10.1007/s00441-020-03407-2.
[2] Ruel, D, M., Yakir, E. e Bohbot, J. D. 2019. “Supersensitive odorant receptor underscores pleiotropic roles of indoles in mosquito ecology.” Front. Cell. Neurosci. 12:533. DOI: 10.3389/fncel.2018.00533.
[3] Maresh, A., Rodriguez Gil, D., Whitman, M.C. e Greer, C. A. 2008. “Principles of glomerular organization in the human olfactory bulb – implications for odor processing.” PloS ONE. 3:e0002640. DOI: 10.1371/journal.pone.0002640.
[4] Jefferis, G. S. 2005. “Insect olfaction: a map of smell in the brain.” Curr. Biol. 15:R668–70. DOI: 10.1016/j.cub.2005.08.033.
[5] Behura, S. K., Haugen, M., Flannery, E., Sarro, J., Tessier, C. R., Severson, D. W. et al. 2011. “Comparative genomic analysis of Drosophila melanogaster and vector mosquito developmental genes.” PloS ONE. 6:e21504. DOI: 10.1371/journal.pone.0021504.
[6] ↑Potter, C. J. 2019. “Olfaction: mosquitoes love your acid odors”. Curr. Biol. 29:R282–4. DOI: 10.1016/j.cub.2019.03.010.
Citação
Kiernan-Linn, K., Pimenta, K. e Grimaud, J. (2022). “A mosquito’s sense of smell: what is the buzz all about?” Front. Young Minds. 10:760594. DOI: 10.3389/frym.2022.760594.
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