Saúde Humana 28 de setembro de 2022, 10:52 28/09/2022

Por que os seres humanos – e alguns animais – gostam de dançar?

Autores

Jovens revisores

Ilustração de uma mulher e um cérebro dançando em um elevador

Resumo

Você já dançou freneticamente? Ou pelo menos balançou o pé ou gingou de leve ao ritmo de uma música? Percebe que sorri quando faz isso? Bem, não é só você! De uma simples batucada ao popular rock-and-roll, o som da música faz pessoas de todas as idades se sacolejarem no tempo da batida. Sempre vemos pessoas tamborilando, batendo palmas e se sacudindo quando ouvem suas canções favoritas num auditório ou pelo celular. O impulso para se mover com a música tem sido parte de todas as culturas do mundo, até onde pudemos estudar os humanos. Há até algumas espécies animais que gostam de dançar! Por quê? Neste artigo, explicamos o que existe na música que desperta em nós a vontade de nos movimentarmos – e o que acontece em nosso cérebro quando fazemos isso.

Dança é o ato de mover o corpo ritmicamente ao som de música. E música é simplesmente uma mistura de ondas sonoras produzidas pela voz humana ou por instrumentos musicais. As ondas sonoras são invisíveis e viajam pelo ar até nossos ouvidos. Quando os sons chegam aos nossos ouvidos, enviam sinais a uma parte do cérebro chamada córtex auditivo, de onde esses sinais passam para outras partes do cérebro. Graças a esse processo, a música “acende” as regiões do cérebro responsáveis pelo pensamento e a compreensão – mas também pela recompensa, a emoção, a linguagem e o movimento. Vamos agora descobrir mais sobre como a música afeta nossas mentes e corpos!

Nosso corpo se sincroniza com o ritmo da música

Quando você pensa em música, sem dúvida lhe ocorrem sua canção ou sua banda favorita. Ou então você se lembra da música clássica ou do jazz que está aprendendo a tocar num instrumento. O cientista descreveria a música como uma série de sons e silêncios que se sucedem dentro de determinado padrão por um certo período de tempo. O padrão do som musical se chama ritmo. Algumas músicas também têm batidas regulares, chamadas métrica: a métrica nos induz a mover nosso corpo em sintonia com ela, além de nos permitir adivinhar o que vem em seguida. Nossos ritmos internos se conformam ao ritmo ou métrica da música em um processo de nome arrastamento rítmico.

O Vídeo 1 demonstra o arrastamento rítmico. Você já viu um relógio de parede antigo, na casa de seu avô? Embaixo do mostrador, há uma barra comprida com um peso na ponta, chamada pêndulo. À medida que ele balança de um lado para o outro, esse movimento faz girar uma série de rodas dentadas, que por sua vez acionam os ponteiros. Os relógios de pêndulo foram inventados em 1666 pelo físico holandês Christian Huygens. Ele colocou dois pêndulos numa parede e balançou-os em tempos diferentes. Mas logo os dois pêndulos começaram a ir de um lado para o outro ao mesmo tempo! Tornaram-se sincronizados. Esse é um bom exemplo de arrastamento. Como acontece?

Um objeto que se move num determinado ritmo, como o pêndulo de um relógio, se chama oscilador (do latim oscillatio, “ação de balançar”). Quando os pêndulos começam a oscilar, transmitem pequenas quantidades de energia um para o outro por meio da base onde estão instalados. Quando oscila, o primeiro pêndulo gera energia que é transferida por meio da base para o segundo. Este, ao voltar, também gera energia e transfere-a para o primeiro. É mais ou menos como duas pessoas conversando. Repetindo-se, essa pequena troca de energia vai aos poucos mudando a velocidade de oscilação dos pêndulos. O oscilador mais rápido desacelera e o mais lento acelera até que ambos passem a se mover na mesma velocidade. Depois de sincronizados, eles não trocam mais energia e usam-na na menor quantidade possível.

Na natureza, quase tudo tem seu próprio ritmo. Desde o átomo minúsculo até nossa respiração e batimentos cardíacos, o mundo está cheio de coisas que oscilam. O arrastamento rítmico – sincronização – acontece à nossa volta diariamente, inclusive quando ouvimos música. O oscilador do corpo é arrastado para o ritmo musical. Nossos pés começam a se mexer ou a bater no chão, sacudimo-nos para cima e para baixo ou caminhamos no tempo da música, da mesma maneira que os pêndulos movendo-se juntos no experimento de Huygens. Até nossos batimentos cardíacos e nossa respiração podem imitar o ritmo da música [1]!

Nossa mente se prende emocionalmente à música

Agora sabemos por que nos movemos no tempo da música. Mas qual é o motivo de gostarmos tanto de dançar? Há séculos, os psicólogos (que estudam nossos pensamentos e comportamentos) tentam entender por que a música afeta nossas emoções. Muitos tipos de música expressam emoções por meio do andamento, da melodia e do ritmo. Pense numa canção alegre: ela é rápida ou lenta, animada ou monótona? Agora, pense numa canção triste: é diferente da alegre? A canção Parabéns a Você nos deixa felizes porque sua melodia e ritmo são alegres, joviais, e muitas vezes a ouvimos ou cantamos quando em companhia da família e de amigos. Associamos essa canção a momentos agradáveis e, por isso, lembramo-nos deles e nos sentimos bem quando a ouvimos!

A maneira como movemos o corpo está profundamente conectada aos nossos sentimentos e emoções. Quando felizes, podemos dar saltos ou agitar as mãos no ar; quando tristes, costumamos curvar a cabeça ou cruzar os braços. Mas o contrário também é verdadeiro: curvar a cabeça e cruzar os braços pode nos fazer sentir tristes; dar saltos e agitar os braços pode nos fazer sentir felizes! Expressar emoções por meio do movimento recebe o nome de corporificação de emoções.

A música é um ótimo exemplo de corporificação de emoções. Isso acontece porque os músicos expressam emoções por meio de movimentos, induzindo os ouvintes a senti-las de maneira parecida. Assim, uma música alegre nos faz sentir felizes e mover o corpo de um modo jovial, saltando, batendo palmas e cantando – o que nos torna mais felizes ainda! Um bailarino pode desacelerar para uma coreografia lenta e melancólica. Um cantor de rock pode passar para uma canção enérgica, efusiva. Desse modo, podemos usar a música e o movimento para mostrar aos outros como nos sentimos. Em essência, dançamos para exprimir, vivenciar e enriquecer nossos sentimentos por intermédio da melodia ou do ritmo. Os cientistas confirmaram que a música nos ajuda a sentir e exprimir emoções. Portanto, quando dançamos ao som de uma música animada, não conseguimos deixar de nos sentir felizes!

A música “acende” o cérebro

A região do cérebro que induz ao movimento é chamada de córtex motor primário. Quando ouvimos música, essa região é ativada e nos estimula a mover-nos. Outra região do cérebro que também entra em ação quando ouvimos música é o sistema límbico, associado à recompensa e às emoções. O sistema límbico é responsável pela liberação de substâncias químicas do corpo, os hormônios, que nos fazem sentir bem. Portanto, ouvir música e executar movimentos de dança faz com que nosso corpo libere hormônios estimulantes do bem-estar. Quando movimentamos nosso corpo em sintonia com a música, nossos sentimentos e emoções também se coadunam com ela.

Os psicólogos acham que células cerebrais chamadas neurônios-espelhos também desempenham um papel no prazer despertado pela música. Essas células são ativadas quando vemos outra pessoa fazendo alguma coisa [2]. Por exemplo, quando seu amigo boceja, seus olhos o veem abrindo a boca e seus ouvidos captam o som do bocejo. Isso aciona os neurônios-espelhos em seu cérebro e o faz querer bocejar também! Tente fingir que boceja diante de alguém de sua família e veja o que acontece!

Os neurônios-espelhos também nos ajudam a vivenciar o que os músicos expressam. Por exemplo, ao ver uma banda, seus neurônios-espelhos podem encorajá-lo a tocar uma guitarra de mentirinha enquanto seu astro do rock toca uma guitarra de verdade! Executar movimentos similares aos das pessoas que estão tocando música ajuda-nos a sentir as mesmas emoções que elas expressam [1]. Quando diversas pessoas se movem, sentindo o ritmo e as emoções da música ao mesmo tempo, seus cérebros refletem o comportamento umas das outras e todas se tornam socialmente ligadas. Ver Figura 1 para um panorama geral.

Figura 1. Garoto tocando guitarra de mentirinha. O córtex auditivo, após interpretar a música de rock, envia sinais ao sistema límbico e ao córtex motor a fim de gerar reações emocionais e motoras. Os neurônios-espelhos desempenham um papel crucial nesse processo, ajudando a imitar o ato de tocar guitarra e refletindo os sentimentos do músico. (Crédito da imagem: Jiyeong Hong.)

Todos nascemos para gostar de dança

Sabemos agora por que as pessoas gostam de ouvir música e dançar. Nossos passos de dança podem melhorar com a idade, mas todos nascemos com a capacidade de dançar. Os cientistas estudaram crianças de 5 meses a 2 anos de idade [3]. Tocaram uma grande variedade de músicas, inclusive peças clássicas de Mozart e Saint-Saëns, cantigas infantis e batucadas, bem como sons não musicais como gravações de conversas.

Descobriram que as crianças se moviam mais ritmicamente quando ouviam música do que quando ouviam sons não musicais – e sorriam mais quando se movimentavam ao som da música! Esses achados mostram que as pessoas literalmente nascem para apreciar a dança, embora cada uma tenha seu próprio gosto e habilidade. Ver a Figura 2 para um panorama geral.

Figura 2. A dança frequentemente revela nossas emoções e reações motoras (movimentos) à música. Esse fenômeno é universal, existe na maioria das sociedades e culturas humanas. Arrastamento e corporificação desempenham um papel crucial na dança. A dança também foi observada em animais, embora estes talvez não tenham sentimentos tão sofisticados quanto os humanos. (Crédito da imagem: Jiyeong Hong.)

Alguns animais também dançam!

Estudos mostraram que os humanos não são os únicos a dançar. Alguns animais também se deixam levar pela música. O exemplo mais famoso é um papagaio chamado Snowball (Vídeo 2), cujos movimentos se adequaram perfeitamente ao ritmo da música em um experimento [4]. Outros exemplos de animais dançantes são um leão marinho (Vídeo 3), que balançava a cabeça acompanhando as batidas de um metrônomo e outros ritmos, um bonobo que espontaneamente batucava em sincronia com um cientista e um cavalo que parecia trotar conforme a música [5].

Os cientistas sugeriram que os animais talvez aprendam a se mover ao ritmo da música para ganhar alimento ou entrosar-se socialmente. O leão marinho foi treinado durante meses, recebendo recompensas de peixes, e o papagaio recebia elogios, o que o fazia sentir-se próximo de seus treinadores humanos. Para nós, envolver-nos com música e dança facilita os vínculos com nossos semelhantes e isso contribuiu para a formação de culturas sui generis por milhares de anos [5].

Conclusão

Muita coisa está ainda por descobrir a respeito das razões pelas quais humanos e animais se envolvem com música. Baseados em nosso conhecimento atual, sabemos que quase todos os humanos e alguns animais podem se mover ao sabor da música. E o fazem porque se sentem bem com isso. Talvez, no futuro, você possa se juntar a nós na exploração da ciência que está por trás da dança e da música.

Glossário

Córtex auditivo: Região do cérebro que processa informação auditiva em humanos e alguns animais.

Ritmo: Termo amplo, em música, que se refere a determinado padrão de som (notas) e silêncio (pausas).

Métrica: Em música, padrões regularmente recorrentes de batidas fortes e fracas.

Arrastamento rítmico: Conjunção, no tempo, de dois osciladores independentes, pela qual a frequência de um acarreta a de outro.

Vídeo 1: Arrastamento rítmico de cinco metrônomos em uma base comum.

Oscilador: Objeto que se move de um lado para outro numa sequência rítmica regular.

Corporificação de emoções: Representação física ou expressão dos estados emocionais de uma pessoa.

Córtex motor primário: Região do cérebro responsável por gerar os sinais mais importantes para a produção de movimentos concatenados.

Sistema límbico: Conjunto de estruturas cerebrais envolvidas no processamento de emoções e nos comportamentos.

Neurônios-espelhos: Conjunto de neurônios do cérebro que modulam uma ação específica em humanos e alguns animais, sobretudo quando eles observam uma ação idêntica ou parecida em outros.

Vídeo 2: Tributo de Snowball a Michael Jackson.

Vídeo 3: Gravação científica dos movimentos dançantes de um leão marinho.

Referências

[1] Zatorre, R. J., Chen, J. L. e Penhune, V. B. 2007. “When the brain plays music: auditory–motor interactions in music perception and production.” Nat. Rev. Neurosci. 8:547–58. DOI: 10.1038/nrn2152.

[2] Rizzolatti, G. e Craighero, L. 2004. “The mirror-neuron system.” Ann. Rev. Neurosci. 27:169–92. DOI: 10.1146/annurev.neuro.27.070203.144230.

[3] Zentner, M. e Eerola, T. 2010. “Rhythmic engagement with music in infancy.” Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A. 107:5768–73. DOI: 10.1073/pnas.1000121107.

[4] Patel, A. D., Iversen, J. R., Bregman, M. R. e Schulz, I. 2009. “Experimental evidence for synchronization to a musical beat in a nonhuman animal.” Curr. Biol. 19:827–30. DOI: 10.1016/j.cub.2009.03.038.

[5] Wilson, M. e Cook, P. F. 2016. “Rhythmic entrainment: why humans want to, fireflies can’t help it, pet birds try, and sea lions have to be bribed.” Psychon. Bull. Rev. 23:1647–59. DOI: 10.3758/s13423-016-1013-x.

Citação

Park, K., Hackney, M., Hugenschmidt, C., Soriano, C. e Etnier, J. (2022). “Why do humans – and some animals – love to dance?” Front. Young Minds. 10:806631. DOI: 10.3389/frym.2022.806631.

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