A Terra e seus Recursos Ideias fundamentais 10 de julho de 2024, 15:54 10/07/2024

Usando micróbios para produzir hidrogênio a partir do lixo

Autores

Jovens revisores

Ilustração de um garoto espiando dentro de uma lixeira onde micróbios consomem o lixo e produzem hidrogênio.

Resumo

E se disséssemos que há micróbios bons que comem lixo? Sim, há relatos afirmando que os micróbios são ruins e causam doenças. Mas também existem micróbios bons, que comem lixo orgânico (como cascas de bananas e vegetais estragados) jogados fora nas casas e restaurantes. Esses micróbios usam o lixo para produzir energia na forma de hidrogênio, que pode ser usado para abastecer nossos carros. O processo de transformar lixo orgânico em energia é chamado de fermentação escura. Durante a fermentação escura, outros componentes úteis são também produzidos, os quais podem ser usados para fabricar alimentos, medicamentos, bebidas e outras coisas úteis. Este artigo discute a fermentação escura e os produtos obtidos ao longo do processo.

Micróbios que comem lixo

Os micróbios estão entre os menores seres vivos e só podem ser vistos ao microscópio. Embora não seja possível vê-los a olho nu, estão presentes em todos os lugares: em nossas mãos, em nosso estômago, nas superfícies dos brinquedos e outros objetos, e, certamente, em toda a Terra – no ar, no chão e na água. Apesar de minúsculos, os micróbios são de vários tipos e extremamente abundantes. Eles desempenham papéis importantes em muitos processos naturais. Por exemplo, ajudam na decomposição e reciclagem do lixo orgânico. 

O lixo orgânico é constituído por organismos vivos, incluindo frutas e vegetais. Você já se perguntou o que acontece com os resíduos de frutas e vegetais que são jogados na lata de lixo de sua casa ou dos restaurantes? Usualmente, um caminhão recolhe o lixo e o leva para um aterro (Figura 1). Nos aterros sanitários, o lixo orgânico se acumula e desaparece muito lentamente com o tempo. À medida que se decompõe, o lixo orgânico produz compostos perigosos que podem contaminar o ar, o solo e a água. Por exemplo, durante a decomposição do lixo orgânico, um líquido escuro é produzido (chamado lixívia). Se for deixado na natureza, esse líquido contaminará a água que bebemos e afetará a qualidade do solo usado para o cultivo. 

Figura 1. O lixo orgânico gerado nas casas normalmente vai para os aterros, onde se acumula e desaparece muito lentamente com o tempo. Como alternativa, ele pode ser decomposto em biorreatores, que produzem itens de valor usados para fabricar remédios, alimentos, cosméticos e hidrogênio, que gera energia.

Que podemos fazer para evitar que o lixo orgânico afete a natureza? Bem, há outra maneira de lidar com ele – uma maneira limpa e benéfica para nosso planeta! Podemos combinar o lixo orgânico com certos micróbios que o transformarão em produtos valiosos. Esses produtos serão usados na produção de alimentos, bebidas e remédios. Melhor ainda, esses micróbios produzem hidrogênio à medida que decompõem o lixo orgânico. O hidrogênio é um gás incrível que pode ser usado na produção de energia para abastecer carros. Esse processo é chamado de fermentação escura [1]. 

Do lixo orgânico à energia e compostos valiosos

Todo lixo orgânico é composto de minúsculos blocos de construção chamados carboidratos. Na fermentação escura, alguns micróbios fantásticos separam e comem esses blocos. Os carboidratos permitem aos micróbios crescer, gerar mais micróbios e criar compostos chamados ácidos orgânicos e gás hidrogênio.

Para visualizar a fermentação escura, vamos imaginar que estamos fazendo um bolo. Do que precisamos para fazer um bolo? Ora, de ingredientes (leite, farinha, açúcar, etc.), um cozinheiro e um forno. A fermentação escura precisa de coisas parecidas. O lixo orgânico funcionará como os ingredientes e os micróbios farão o papel do cozinheiro. Colocamos essas coisas em um forno especial chamado biorreator (Figura 1). No biorreator, os micróbios provocam a fermentação escura, produzindo um “bolo” com “fatias” de diversos sabores. Cada fatia corresponde a um produto diferente; por exemplo, hidrogênio, ácido acético, ácido butírico e outros. Chamamos esse processo de fermentação escura porque os micróbios não precisam de luz ou oxigênio para criar esses produtos no biorreator.

Qual é a utilidade dos produtos da fermentação escura?

Então, o que pode ser feito com os compostos produzidos pela fermentação escura? Como mencionado anteriormente, o hidrogênio é um gás que pode ser usado na produção de energia para abastecer nossos carros [2]. A maioria dos carros usa gasolina como combustível. No entanto, quando a gasolina é queimada nos motores dos carros, poluentes atmosféricos são produzidos. Incrivelmente, o gás hidrogênio não produz poluentes e é muito mais econômico que a gasolina.

E os ácidos? O ácido acético é usado na produção de medicamentos e tintas. O ácido butírico pode ser usado para preparar alguns alimentos (como a manteiga) e bebidas fermentadas [2]. Outros ácidos ajudam a manter os alimentos frescos por muito tempo. Usualmente, são produzidos em fábricas que liberam grandes quantidades de poluentes prejudiciais ao planeta. Na fermentação escura, são produzidos de uma maneira limpa, a partir do lixo de nossas casas e sem gerar poluição.

Basta de aterros sanitários?

Se isso é tão bom, por que continuamos enviando nosso lixo para aterros sanitários? Acontece que a tecnologia necessária para tornar a fermentação escura eficiente em larga escala ainda está sendo desenvolvida. Para entender por que, vamos voltar ao exemplo do bolo. A Figura 2 mostra as diversas fatias de sabor produzidas a partir do “cozimento” do lixo orgânico em um biorreator. Como você pode notar, a fatia maior corresponde aos micróbios (que se reproduzem no biorreator) e a um gás chamado CO2. As outras fatias maiores são os ácidos acético e butírico.

Finalmente, a fatia de hidrogênio é a menor [2]. Mais pesquisas sobre a fermentação escura são necessárias a fim de aumentar o tamanho do hidrogênio para que ele seja útil, e reduzir o tamanho dos micróbios e da fatia de CO2. A função que o CO2 desempenha no aquecimento do planeta é de conhecimento geral. Como a fermentação escura é uma alternativa benéfica para o planeta, precisamos evitar a liberação para o ar do CO2 produzido no “forno”. Assim, o CO2 gerado na fermentação escura pode ser armazenado e usado para muitas opções que não agridem o planeta. Por exemplo, para o crescimento de determinadas algas.

Figura 2.  Em um biorreator, ocorre um processo chamado fermentação escura. A fermentação escura produz “fatias” de vários compostos. A fatia maior corresponde aos micróbios e ao CO2, seguindo-se as fatias de alguns ácidos e, finalmente, a fatia para o hidrogênio. 

Como fazer para que esses micróbios sejam mais eficientes e melhorem a fermentação escura? A resposta é estimulá-los a trabalhar mais. Todavia, para que façam isso, eles precisam de comida e outras condições no biorreator, pois só assim serão mais produtivos. Nosso grupo de pesquisa está estudando outras maneiras de melhorar a fermentação escura. Por exemplo, estimulamos os micróbios no biorreator colocando ali outros para tornar o processo mais rápido e mais eficiente. Desse modo, podemos dobrar o tamanho da “fatia” de hidrogênio [3].

Conclusão

Este artigo mostra que há micróbios capazes de comer e decompor o lixo orgânico de nossas casas e restaurantes, graças a um processo chamado fermentação escura. Esses micróbios produzem compostos valiosos, incluindo o ácido acético e o ácido butírico, que podem ser usados na produção de remédios e alimentos, entre outros produtos da vida cotidiana, e hidrogênio, a ser usado como combustível para abastecer nossos carros. A fermentação escura tem menos efeitos negativos no planeta que o acúmulo de lixo orgânico em aterros sanitários, mas ainda há trabalho a fazer antes que possamos aplicar esse processo em larga escala. Em todo o mundo, muitos cientistas estudam formas para transformar o lixo orgânico em substâncias úteis, melhorando a fermentação escura.

Financiamento

Esta pesquisa contou com o apoio financeiro do projeto CONACYT A1-S-37174.

Glossário

Decomposição: Ruptura (pelos micróbios) de um composto feito de cadeias de blocos de matéria orgânica. 

Lixo orgânico: Qualquer material proveniente de plantas ou animais e que pode ser decomposto por micróbios. 

Hidrogênio: O gás menos denso e que contém mais energia. É, também, o elemento mais abundante no universo.

Fermentação escura: Processo natural em que alguns micróbios consomem carboidratos para crescer, reproduzir-se e criar compostos como ácidos orgânicos e gás hidrogênio. 

Carboidratos: Compostos de blocos de construção feitos de açúcar, são a principal fonte de energia para os seres vivos. 

Ácidos orgânicos: Substâncias feitas de carbono, hidrogênio e oxigênio naturalmente presentes em frutas e vegetais.

Biorreator: Vaso onde micróbios podem viver, crescer e desempenhar atividades como a decomposição.

Conflito de interesses

O autor declara que a pesquisa foi realizada sem nenhuma relação financeira ou comercial capaz de gerar um conflito de interesses.

Agradecimentos

J.M.-R. agradece a bolsa de pós-graduação concedida pelo projeto CONACYT.

Referências

[1] Dahiya, S., Chatterjee, S., Sarkar, O. e Mohan, S. V. 2021. “Renewable hydrogen production by dark-fermentation: current status, challenges and perspectives.” Bioresour. Technol. 321:124354. DOI: 10.1016/j.biortech.2020.124354.

[2] Jarunglumlert, T., Prommuak, C., Putmai, N. e Pavasant, P. 2018. “Scaling-up bio-hydrogen production from food waste: feasibilities and challenges.” Int. J. Hydrogen Energy. 43:634–48. DOI: 10.1016/j.ijhydene.2017.10.013.

[3] ↑ Montoya-Rosales, J. de J., Palomo-Briones, R., Celis, L. B., Etchebehere, C. e Razo-Flores, E. 2020. “Discontinuous biomass recycling as a successful strategy to enhance continuous hydrogen production at high organic loading rates.” Int. J. Hydrogen Energy. 45:17260–9. DOI: 10.1016/j.ijhydene.2020.04.265.

Citação

Montoya-Rosales, J. de J. e Razo-Flores, E. (2022). “Using microbes to produce hydrogen from garbage.” Front. Young Minds. 10:793814. DOI: 10.3389/frym.2022.793814.

Encontrou alguma informação errada neste texto?
Entre em contato conosco pelo e-mail:
parajovens@unesp.br