Vamos fazer uma casa na Lua?
Autores
Andrew J. Hoisington, Steven J. Schuldt
Jovens revisores
Resumo
No dia 20 de julho de 1969, o astronauta Neil Armstrong se tornou a primeira pessoa a caminhar na Lua. Pelos três anos seguintes, onze outras seguiram suas pegadas. No entanto, faz cinquenta anos que os astronautas não voltam lá. Os cientistas, desde então, vêm falando em mandar mais pessoas à Lua ou mesmo a Marte. Alguns querem estabelecer colônias permanentes no espaço, no caso de se esgotarem os recursos na Terra. Mas como montar instalações para viver e trabalhar em uma área sem materiais de construção, equipamentos ou força de trabalho? Uma solução promissora pode ser a impressão tridimensional.
O que é a construção por impressão 3D?
Você já deve ter ouvido falar em impressão tridimensional (3D), uma nova maneira de fabricar objetos usados em nosso dia a dia. A impressão 3D pode ser usada para fazer brinquedos, alimentos, órgãos humanos e muito mais! As impressoras dividem o material (por exemplo, plástico, metal ou madeira) em camadas para produzir objetos tridimensionais. Mas você sabia que essas impressoras estão sendo usadas também para construir casas, escritórios e outros edifícios? O método foi inventado em 1998, mas só passou a ser usado realmente nos últimos cinco anos. A impressora manipula materiais como o concreto para fazer paredes, componentes como vigas e colunas ou mesmo edifícios inteiros. Não há limites para os tipos e formas de estruturas que a impressão 3D pode criar (Figura 1).
Alguns cientistas pretendem estabelecer colônias e estruturas permanentes no espaço, caso se esgotem os recursos na Terra. Estruturas que podem ser úteis no espaço incluem abrigos, hangares para naves, estradas, pistas de pouso e decolagem, paredes de proteção contra explosões, etc. [1]. À medida que os humanos passarem mais tempo no espaço, estruturas mais complexas serão exigidas, como laboratórios de pesquisa, garagens, estufas e outros prédios de longa durabilidade.
A impressão 3D no espaço tem duas grandes vantagens em comparação com os métodos da construção tradicional. Em primeiro lugar, edifícios podem ser construídos com materiais encontrados no próprio espaço, como fragmentos de rochas e poeira. Em segundo, a impressão 3D exige poucos trabalhadores – ou nenhum. Ou seja, colônias podem ficar prontas para os astronautas antes mesmo que eles cheguem.
Materiais do espaço: rochas lunares e outros
Naves e foguetes espaciais dispõem de pouco espaço para carga e não são lançados com muita frequência, de modo que enviar suprimentos lá para cima é caro. Na verdade, o custo de enviar suprimentos a Marte chega a um milhão de dólares por quilo [2]! Por isso, construir usando materiais do espaço pode economizar bilhões. Três materiais muito comuns ali são o regolito, o basalto e o enxofre (Figura 2). Os cientistas estão desenvolvendo uma tecnologia para recolher e processar esses materiais de construção.
O regolito é a camada de rocha fragmentada e poeira produzida na superfície lunar após séculos de impactos de micrometeoritos. É o material mais simples e comum usado na construção por impressão 3D no espaço. O basalto é uma rocha ígnea, ou seja, formada por fluxos de lava. Equivale a mais ou menos 26% da superfície do lado visível da Lua. O basalto resiste à radiação do Sol e pode ser usado para construir estruturas pressurizadas. O enxofre é um elemento muito comum em Marte. Às vezes é acrescentado ao concreto para ajudar os outros ingredientes a se aglutinar melhor.
Não faltam no espaço materiais de construção em potencial. No entanto, lá não existem materiais de reforço como o aço. Na Terra, o aço dá aos edifícios uma solidez extra para que resistam às forças de estiramento, chamadas forças de tensão. Sem aço, as estruturas de concreto podem rachar e desabar. A fim de reduzir a necessidade de aço, edifícios podem ser projetados para empregar a compressão [3]. Compressão é o oposto de tensão. Ocorre quando o concreto recebe peso e compactação (pressão exercida pela carga). Dois exemplos de projeto baseado em compressão são os arcos e as cúpulas.
A Figura 3 mostra como uma trave de concreto armado pode sofrer compressão e tensão. A trave é uma parte básica de muitas construções que suporta pesos como os de tetos, telhados e pessoas. Como a gravidade da Lua é 83% mais fraca que a da Terra, as estruturas espaciais sofrem menos a atuação das forças de tensão e compressão. Isso permite aos engenheiros construírem estruturas mais leves e finas, usando menos material [3].
A construção com impressoras para pessoas
A impressão 3D pode ser usada para construir colônias na Lua e em Marte, mesmo antes de os humanos chegarem lá. Construir antes dará mais segurança aos astronautas quando viajarem para o espaço. Por exemplo, as construções os protegerão da radiação solar e dos detritos espaciais. Edifícios pressurizados darão aos astronautas um lugar para viver e trabalhar sem que precisem vestir seus trajes espaciais.
Ao contrário dos trabalhadores humanos, as impressoras não precisam de ar, água ou alimento. Isso economiza dinheiro e torna a construção no espaço mais fácil. Também ao contrário dos humanos, as impressoras não precisam de descanso. Ou seja, a impressão 3D pode ser concluída mais depressa que a construção normal.
Em comparação com os humanos, as impressoras também podem ser mais confiáveis e coerentes. Quando corretamente programadas, elas reduzem os equívocos, aumentam a segurança e melhoram a qualidade do trabalho. Construção melhor com menos erros significa menos tempo e dinheiro gastos na adequação de coisas que não foram bem-feitas da primeira vez.
Como imprimir?
Em 2015, a NASA convidou equipes do mundo inteiro para uma competição de impressão 3D. Chamou-se 3D-Printed Habitat Challenge e os prêmios eram de US$ 2,5 milhões. A competição ocorreu em três fases. Primeira: cada equipe apresentou seu melhor projeto de construção. Segunda: as equipes desenvolveram materiais para impressão baseados no que está disponível no espaço. E terceira: as equipes imprimiram seus desenhos usando esses materiais. O objetivo da competição era melhorar o modo como a NASA construiria estruturas no espaço. No fim, algumas ideias se destacaram mais do que outras, é claro, mas ainda assim todas ajudaram a NASA a entender o que funcionaria ou não no espaço.
Por exemplo, a cúpula e a bolha foram consideradas projetos promissores. As equipes foram bem-sucedidas ao usar os materiais do espaço e reciclar lixo em suas misturas para impressão. Porém, um grande desafio da NASA no futuro será o problema do dimensionamento ou capacidade de construir estruturas em tamanho real. Os engenheiros sabem que desenhos que funcionam bem em modelos nem sempre satisfazem quando construídos em tamanho real. A NASA e empresas como Made in Space estão trabalhando para melhorar o dimensionamento das construções com impressão 3D.
Uma possível abordagem à impressão 3D no espaço é o método conhecido como construção por contornos. Primeiro, o material é dividido em camadas. Em seguida, graças ao uso de espátulas, essas camadas ficam com a superfície bem lisa. O processo de alisamento propicia estruturas com acabamento mais fino. A impressão por contorno despertou o interesse da NASA por três motivos principais. Primeiro, é um dos métodos de impressão 3D mais confiáveis já usados aqui na Terra. Segundo, pode ser usado para imprimir as estruturas necessárias com segurança e a baixo custo. E terceiro, utiliza materiais do próprio espaço, como o regolito.
Uma equipe pretende combinar a impressão por contorno com um sistema robótico chamado ATHLETE [4]. ATHLETE significa All-Terrain Hex-Limbed Extra-Terrestrial Explorer (Explorador Extraterrestre de Seis Pernas para Todos os Terrenos). O ATHLETE é “para todos os terrenos” porque consegue percorrer superfícies lunares ou planetárias irregulares. Suas seis pernas lhe permitem usar diversas ferramentas para se deslocar e fabricar componentes. Finalmente, “extraterrestre” significa que o robô foi concebido para atuar no espaço. Sua fonte de energia é renovável, pois provém do Sol: não precisa ser ligado a uma tomada nem suprido de combustível.
De olho no futuro
A impressão 3D no espaço enfrenta alguns desafios particulares. É difícil imprimir em ambientes de pouca gravidade [1]. As impressoras precisam de peças extras sempre à mão, para o caso de alguma se quebrar. Se surgirem problemas, eles devem ser solucionados rapidamente. As impressoras têm de ser resistentes o bastante para funcionar em temperaturas extremas, e durante tempestades de poeira e abalos sísmicos lunares [1]. Finalmente, como não são tripuladas, precisam ser controladas da Terra. Em suma, é necessário que a operação e a comunicação ocorram por longas distâncias e sem demora [3].
Por enquanto, a construção com impressão 3D está na fase chamada de “prova de conceito e validação” [1]. Isso quer dizer que os cientistas ainda estão investigando o que a impressão 3D pode fazer e se funcionará no espaço. A fim de orientar o desenvolvimento da impressão 3D, eles estabeleceram vários objetivos para o futuro. Em 2040, querem começar a usar a impressão 3D para construir colônias no espaço. Em 2065, esperam poder mantê-las a longo prazo. Por fim, acreditam que em 2115 a construção no espaço esteja por completo independente dos humanos e dos recursos da Terra [5]!
Enquanto isso, o desenvolvimento de um método de impressão 3D confiável no espaço vem ajudando a aprimorar o seu uso na Terra. Por exemplo, a construção de abrigos no espaço nos ensina maneiras melhores de construir casas mais baratas e de boa qualidade aqui. E, encontrando modos de coletar materiais no espaço, poderemos aperfeiçoar modos de obter recursos na Terra. Isso facilita a construção mais rápida, barata e melhor tanto aqui quanto no espaço. Em suma: a construção com impressão 3D é coisa do outro mundo!
Glossário
Regolito: Fragmentos de rocha e poeira produzidos na superfície da Lua após séculos de impactos de micrometeoritos.
Basalto: Rocha ígnea comumente encontrada no lado visível da Lua e resistente à radiação do Sol.
Enxofre: Elemento comum em Marte que ajuda na aglutinação dos ingredientes do concreto.
Tensão: Estado de uma viga esticada.
Compressão: Estado de uma viga pressionada e compactada por uma carga.
Impressão 3D: Processo de manufatura ou construção de itens e estruturas mediante sua impressão em camadas sequenciais.
Impressão por contorno: Método de impressão 3D em que o material é dividido em camadas e depois aplainado por espátulas robóticas.
Esclarecimento
As ideias expressas neste artigo são dos autores e não refletem a política ou o posicionamento oficiais da Força Aérea dos Estados Unidos, do Departamento de Defesa e do governo americano.
Referências
[1] Mueller, R. P., Sibille, L., Hintze, P. E., Lippitt, T. C., Mantovani, J. G., Nugent, M. W. et al. 2014. Additive Construction Using Basalt Regolith Fines. Disponível online em https://www.scopus.com/inward/record.uri?eid=2-s2.0-84936748071&doi=10.1061%2f9780784479179042&partnerID=40&md5=e6a74f7a3e2d91b587222c4a1d49d302.
[2] Howe, A. S., Wilcox, B., McQuin, C., Mittman, D., Townsend, J., Polit-Casillas, R. et al. Modular Additive Construction Using Native Materials. Disponível online em https://www.scopus.com/inward/record.uri?eid=2-s20-84936803844&doi=10.1061%2f9780784479179.034&partnerID=40&md5=09bf4e34736d6cc394505bd3f466ee62.
[3] Leach, N., Carlson, A., Khoshnevis, B. e Thangavelu, M. 2012. “Robotic construction by contour crafting: the case of lunar construction”. Int. J. Archit. Comput. 10:423–38. DOI: 10.1260/1478-0771.10.3.423.
[4] Howe, S. A., Wilcox, B. H., McQuin, C., Townsend, J., Rieber, R. R., Barmatz, M. et al. 2013. “Faxing structures to the moon: freeform additive construction system (FACS)”, em AIAA SPACE 2013 Conference and Exposition (San Diego, CA: American Institute of Aeronautics and Astronautics). DOI: 10.2514/6.2013-5437.
[5] Mueller, R. P., Howe, S., Kochmann, D., Ali, H., Andersen, C., Burgoyne, H. et al. Automated Additive Construction (AAC) for Earth and Space Using in Situ Resources. Disponível online em https://www.scopus.com/inward/record.uri?eid=2-s2.0-84995371337&DOI=10.1061%2f9780784479971.036&partnerID=40&md5=c0311e7e39f28dca5d30dae283825e00.
Citação
Jagoda, J., Hoisington, A. e Schuldt, S. (2020). “Star Light, Star Bright… Let’s Build a House on the Moon Tonight!” Front. Young Minds. 8:546032. DOI: 10.3389/frym.2020.546032.
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