Biodiversidade Ideias fundamentais 3 de julho de 2024, 12:26 03/07/2024

Manguezais: os ecossistemas “super-heróis”

Autores

Jovens revisores

Ilustração de um manguezal com alguns animais. Um zoom revela microrganismos presentes no ambiente.

Resumo

Os manguezais são árvores lenhosas que podem viver na terra ou no mar, encontradas em regiões costeiras tropicais e subtropicais.
Como vivem ao longo da fronteira terra-oceano, os manguezais são plantas especiais que proporcionam diversos benefícios à natureza e às pessoas. Por exemplo, fornecem refúgio e alimento para organismos, proteção contra furacões e filtragem da água; também promovem a liberação de oxigênio na atmosfera e a absorção e a retenção de dióxido de carbono, o que ajuda a combater as alterações climáticas. Para compreender os ecossistemas dos manguezais, é importante considerar o papel dos micro-organismos que vivem lá. Embora esses ecossistemas sejam importantes, eles enfrentam diversas ameaças, incluindo o desmatamento e o desenvolvimento costeiro.
Portanto, compreender e divulgar os benefícios dos ecossistemas dos manguezais é essencial para conservar os bens e serviços que eles fornecem.

O que são os manguezais?

Os manguezais são arbustos, ou árvores que formam florestas ou pequenas manchas ao longo da costa tropical ou subtropical (Figura 1). A palavra “manguezal” vem do guarani mangal, que significa “árvore torta”. (O guarani é a língua dos guaranis, uma das principais divisões da família linguística tupi-guarani e um dos idiomas nacionais do Paraguai. O plural de manguezal [“manguezais”] se refere à população ou à comunidade composta de vários manguezais individuais da mesma espécie ou de espécies diferentes).

Os manguezais são plantas que vivem na fronteira entre a terra e o oceano [1]. Por exemplo, enquanto a maioria das plantas tem raízes totalmente fincadas no solo, os manguezais têm raízes que ficam parcialmente sobre o solo, chamadas raízes aéreas. As raízes aéreas servem como “tubos de respiração” para absorver ar quando o solo está inundado ou tem pouco oxigênio. Além disso, os manguezais possuem glândulas salinas que lhes permitem expelir o sal marinho pelos poros das folhas (Figura 2), o que é essencial para a vida na água do mar.

Os manguezais fornecem múltiplos benefícios ou serviços de ecossistema para as espécies costeiras ou marinhas à sua volta. Oferecem refúgio para organismos marinhos, áreas de berçário para peixes, alimentação para animais terrestres e marinhos, e proteção contra furacões. Além disso, filtram eficientemente os poluentes das águas costeiras. 

Figura 1. Os manguezais (linha rosa) podem ser encontrados ao longo das costas de regiões tropicais e subtropicais do mundo. 
Figura 2. As florestas de manguezais são ecossistemas especiais, localizados entre a terra e a água salgada do oceano, e servem como lar de muitas espécies. 

A importância dos manguezais: grandes ou pequenos

Quando pensamos em florestas terrestres, facilmente imaginamos grandes pinheiros, grama, ursos e esquilos. Em comparação com os recifes de coral, por exemplo, os ecossistemas de manguezais têm baixa biodiversidade, mas ainda abrigam uma grande variedade de vida, como bactérias, pássaros, peixes, tartarugas e crustáceos como os caranguejos violinistas. Algumas dessas espécies possuem importância econômica (camarões, pargos, caranguejos e outros) e social (por exemplo, a biodiversidade como fator cultural). 

Os manguezais ocupam apenas 0,5% das áreas costeiras tropicais e subtropicais do mundo, mas são os maiores fornecedores do carbono terrestre (o elemento primário da vida e o mais importante do planeta) que é enviado ao oceano [1]. Isso tem grande valor porque o carbono (orgânico, tanto dissolvido quanto particulado) se transforma em alimento para organismos como o fitoplâncton ou é incorporado ao balanço do carbono costeiro dos oceanos ou ecossistemas adjacentes aos manguezais. Tal como outras plantas, os manguezais engendram raízes, folhas e caules utilizando luz solar, água e dióxido de carbono (CO2), que é um gás do efeito estufa (Figura 3).

No entanto, os manguezais removem o CO2 da atmosfera de forma que é cerca de quatro vezes mais eficiente do que as outras plantas [1]. Assim, são essenciais para a redução do CO2 na atmosfera porque podem retê-lo no solo adjacente por longos períodos de tempo. Eles também ajudam a conter a erosão e a proteger as costas contra tempestades e eventos climáticos extremos, como furacões. Devido à importância dos manguezais, a União Internacional para a Conservação da Natureza considera esses ecossistemas como super-heróis no retardamento das alterações climáticas e na redução dos seus efeitos negativos no planeta. 

Figura 3. Fotossíntese (azul), fixação do nitrogênio (verde) e degradação de materiais orgânicos por saprófagos (laranja) ocorrem em ecossistemas de manguezais. O carbono se movimenta da atmosfera para os manguezais e depois para dentro de outros organismos no ecossistema, o que é mostrado pelas setas brancas. 

Comparados com as florestas ou as matas, os ecossistemas de manguezais podem armazenar muita biomassa. Nos ecossistemas oceânicos e costeiros, ~40% da biomassa são de carbono, contido em folhas, madeira, lama, raízes, serapilheiras e organismos [1]. 

Os manguezais têm muita biomassa devido à sua alta taxa de produtividade. Produtividade é a velocidade na qual o carbono se acumula para manter uma planta e gerar biomassa. A biomassa e a produtividade são medidas essenciais do fluxo do carbono através de um ecossistema, da atmosfera até a planta [1]. Adicionalmente, o carbono na matéria orgânica pode fluir através de redes de alimentos no ecossistema do manguezal. Esse fluxo depende da decomposição. Micro-organismos como bactérias e fungos decompõem outros organismos e absorvem seu carbono. O carbono, posteriormente, passa para peixes, crustáceos como caranguejos e camarões, pássaros, onças e até mesmo humanos [2]. 

Os organismos que vivem nos ecossistemas de manguezais podem ser animais residentes em tempo integral ou animais migratórios. Os migratórios vão aos manguezais durante uma fase específica de seu ciclo de vida. Por exemplo, o manguezal árido do Golfo da Califórnia é um importante corredor de aves migratórias na América do Norte. Embora vários desses manguezais sejam pequenas manchas, eles fornecem abrigo e alimento para diversas espécies de pássaros. Embora pequenos e áridos, têm a mesma capacidade de remover e reter grandes quantidades de CO2 da atmosfera que os manguezais localizados em regiões tropicais [3]. Grandes ou pequenas, todas as manchas de manguezais são igualmente importantes porque fornecem serviços ecossistêmicos exclusivos. 

Micro-organismos: as menores criaturas que vivem nos manguezais

Além dos animais e plantas que vivem nas florestas de manguezais, elas também abrigam um mundo microbiano diversificado. Os micro-organismos são criaturas minúsculas, invisíveis a olho nu. Estão em todos os lugares e são essenciais para o funcionamento do ecossistema dos manguezais [2]. Eles estão presentes no solo e na água, ajudando a tornar certos elementos, como carbono, nitrogênio e fósforo, disponíveis para animais e plantas sob a forma de nutrientes. Esses elementos estão frequentemente contidos em grandes moléculas que os animais e plantas não podem utilizar, mas os micro-organismos as transformam em pedacinhos acessíveis.

Por exemplo, a atmosfera de nosso planeta é composta por 78% de nitrogênio, mas a maioria dos organismos da Terra não podem consumir o nitrogênio atmosférico – só os micróbios conseguem absorvê-lo e convertê-lo em uma forma (amônia) acessível a outros organismos [2]. Esse processo, conhecido como fixação do nitrogênio, é desempenhado por bactérias, bactérias fotossintéticas chamadas cianobactérias e micro-organismos relacionados chamados arqueias (Figura 3). A fixação do nitrogênio ajuda os manguezais a crescer e lhes permite dar apoio a uma ampla diversidade de outras espécies. 

Os micro-organismos nos manguezais também ajudam a quebrar e reciclar materiais orgânicos, como folhas e restos de organismos. Esses materiais orgânicos se acumulam no solo e formam os chamados detritos. Insetos, caranguejos e vermes são detritívoros, isto é, comem detritos, o que fazem lentamente (Figura 2).

Os micro-organismos presentes nos detritos, conhecidos como saprófagos, degradam as partículas menores, decompondo-as nos seus elementos mais básicos para que possam ser recicladas (Figura 3) [2]. Esses micro-organismos são imprescindíveis para os manguezais porque contribuem para o fluxo de energia desde os menores até os maiores organismos [2]. Por fim, os micro-organismos produzem e consomem também gases atmosféricos, incluindo o metano, o CO2 e o óxido de nitrogênio. Esses gases ajudam a manter a atmosfera mais quente capturando o calor do Sol. Consequentemente, a atmosfera torna a Terra um lugar agradável para se viver. 

Gerenciamento e conservação

As florestas de manguezais estão entre os mais importantes ecossistemas costeiros nos trópicos e subtrópicos. Esses ecossistemas sustentam uma imensa diversidade de vida, apoiam a pesca local e trazem benefícios econômicos para as regiões próximas. Infelizmente, o aumento das atividades humanas nas florestas de manguezais ameaça esses ecossistemas. O desenvolvimento urbano, a poluição, a pesca predatória, a agricultura, a aquacultura e o desmatamento contribuem para a perda dos manguezais. Estima-se que 35% das áreas das florestas de manguezais foram perdidos durante os anos 1980 e 1990, uma perda que continuará nos próximos anos se nós não agirmos agora. 

Atualmente, a maior ameaça aos manguezais não é o desmatamento, mas a degradação desses ecossistemas, isto é, a perda ou a modificação dos serviços ecossistêmicos prestados por essas zonas úmidas. 

O crescimento populacional nas zonas costeiras é inevitável, mas a sociedade e a indústria precisam gerenciar os manguezais com mais cuidado. Muitas pessoas sequer têm consciência da importância ecológica dos manguezais e dos perigos que os ameaçam. Por isso, devemos promover campanhas educativas e de informação ao público, a fim de chamar a atenção para esse problema. Esperamos que, quanto mais pessoas estiverem conscientes dos serviços ecossistêmicos críticos prestados por essas zonas úmidas especiais e insubstituíveis, mais medidas sejam tomadas para protegê-las. Salvar os manguezais trará benefícios para todo o planeta, ajudando até a conter as alterações climáticas. 

Glossário

Guarani: Idioma dos guaranis, uma das principais divisões da família linguística do tupi-guarani e uma das línguas nacionais do Paraguai. 

Raízes aéreas: Estrutura subatômica dos manguezais essencial para o processo de troca de gás/respiração. 

Glândulas salinas: Conjunto de células com a função de excretar o sal. 

Serviços ecossistêmicos: Bens ou serviços fornecidos pelos ecossistemas aos humanos e outros organismos. 

Biomassa: Matéria orgânica oriunda de processos biológicos (como o crescimento de plantas) e utilizável por outros organismos como fonte de energia. 

Produtividade: Velocidade na qual o carbono é acumulado para gerar biomassa na planta. 

Fixação do nitrogênio: Processo realizado por micro-organismos que transportam nitrogênio da atmosfera para o solo ou para a água, tornando-o disponível para outros organismos. 

Detrito: Decomposição orgânica da matéria de origem animal ou vegetal. 

Saprófagos: Organismos que quebram materiais orgânicos a partir de organismos mortos/em decomposição para que outros organismos possam usá-los. 

Agradecimentos

S. C. agradece pela bolsa de doutorado CONACYT (Subvenção: 570049-2017– 2020). Um sincero agradecimento a Anabel Suárez-Guevara pela edição das figuras. Agradeço a Nathan M. Good, a Susan Debad e aos Jovens Revisores, cujos comentários perspicazes ajudaram a melhorar o artigo. 

Referências

[1] Alongi, D. M. 2014. “Carbon cycling and storage in mangrove forests.” Ann. Rev. Mar. Sci. 6:19 –219. DOI: 10.1146/annurev-marine-010213-135020.

[2] Allard, S., Costa, M. T., Bulseco, A.N., Helfer, V., Wilkins, L. G. E., Hassenrück, C. et al. 2020. “Introducing the mangrove microbiome initiative: Identifying microbial research priorities and approaches to better understand, protect, and rehabilitate mangrove ecosystems.” Apply. Environ.Sci. 5:e00658–20. DOI: 10.1128/mSystems.00658-20.

[3] Ochoa-Gómez, J. G., Lluch-Cota, S. E., Rivera-Monroy, V. H., Lluch-Cota, D. B., Troyo-Diéguez, E., Oechel, W. et al. 2019. “Mangrove wetland productivity and carbon stocks in an arid zone of the Gulf of California (La Paz Bay, Mexico).” For. Ecol. Manag. 442:135–47. DOI: 10.1016/j.foreco.2019.03.059.

Citação

Cadena, S. e Ochoa-Gómez, J. (2023). “Mangroves: ‘superhero’ ecosystems.” Front. Young Minds. 11:812948. DOI: 10.3389/frym.2022.812948. 

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