Ideias fundamentais Neurociências e Psicologia 22 de outubro de 2025, 12:30 22/10/2025

Espinhas dendríticas: como a memória é armazenada no cérebro

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Resumo

Há mais de 100 anos, o ganhador do Prêmio Nobel Ramón y Cajal descreveu, pela primeira vez, estruturas chamadas espinhas dendríticas, localizadas na superfície das células cerebrais. Desde então, cientistas tentam entender o que são as espinhas dendríticas e como funcionam no cérebro. Mesmo com a tecnologia mais recente, a pesquisa sobre elas é muito difícil por seu tamanho muito pequeno: uma espinha dendrítica mede cerca de 1/1.000 de milímetro, e existem milhares delas na superfície da maioria das células nervosas do cérebro. Como as espinhas dendríticas podem mudar de forma e tamanho rapidamente, alguns pesquisadores sugeriram que elas seriam as estruturas do cérebro onde as memórias são criadas e armazenadas. Essa hipótese se baseia em centenas de estudos que mostram que a formação de uma memória faz com que as espinhas dendríticas sofram grandes mudanças em número, tamanho e forma. Da mesma forma, impedir que as espinhas dendríticas mudem pode impedir a formação de memórias. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer antes que possamos identificar, exatamente, onde as memórias são armazenadas no cérebro. Estudos futuros podem nos ajudar a desvendar esse enigma fascinante.

Há cerca de 130 anos, potentes microscópios foram desenvolvidos que permitiram aos pesquisadores visualizar, com mais detalhes, as células cerebrais chamadas neurônios, consideradas a unidade elementar do cérebro. Elas contêm a extremidade receptora (espinhas e dendritos), a extremidade transmissora (axônio) e a parte central, o soma, que controla a atividade de toda a unidade. Naquela época, o pesquisador espanhol Ramón y Cajal observou que a membrana, ou revestimento externo, dos neurônios cerebrais não era tão lisa quanto os cientistas pensavam.

Ele descobriu que os neurônios cerebrais têm milhares de pequenas protuberâncias, cada uma com cerca de 1/1.000 de milímetro de comprimento, que agora são chamadas de espinhas dendríticas – uma pequena estrutura oposta a um terminal pré-sináptico (extremidade) que recebe informações da célula pré-sináptica e controla o fluxo de informações entre as duas células. Por este trabalho, Ramón y Cajal ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1906.

Desde então, aprendemos muito sobre as espinhas dendríticas. A maior parte do que sabemos corrobora a ideia de que essas espinhas são um dos principais locais do cérebro onde as memórias são criadas e armazenadas [1]. Este artigo vai explicar, apoiar e expandir essa hipótese.

O que são as espinhas dendríticas?

Vamos começar descrevendo as partes da espinha dendrítica. Uma espinha dendrítica se parece com um cogumelo (Figura 1), com uma cabeça grande e um pescoço fino. A cabeça é o local onde dois neurônios se conectam e trocam informações, uma área chamada sinapse, que é a conexão entre dois neurônios, onde as mensagens são transferidas entre as células.

A cabeça contém todos os componentes de que o neurônio precisa para receber informações de outras células, incluindo moléculas em sua superfície chamadas receptores, que podem se ligar a substâncias chamadas neurotransmissores (substância química que passa pela sinapse entre os neurônios e transmite sinais entre eles), que transportam sinais entre os neurônios; e substâncias que controlam o número de receptores e sua atividade.

O corpo celular (soma, abaixo) tem cerca de 1/40 de milímetro de tamanho. O corpo celular projeta longas extensões chamadas dendritos (D, na figura à direita, que é uma imagem ampliada de parte da célula à esquerda), ao longo das quais existem espinhos dendríticos de vários tamanhos (s, marcados por uma seta, cerca de 1/1.000 de milímetro).
 

O pescoço da espinha dendrítica pode ser muito fino — cerca de 1/10 da espessura da cabeça, ou aproximadamente 1/2000 de milímetro. Uma das funções do pescoço é manter a relação entre o neurônio e outras células da rede neural (uma série de neurônios, conectados em uma rede, recebe informações de outras redes, modifica as informações e as repassa para outras redes). Uma rede pode consistir de dezenas a milhões de neurônios, que compartilham informações em uma região específica do cérebro, regulando o movimento de substâncias para dentro e para fora da cabeça. Como resultado dessa regulação, o neurônio muda a maneira como responde aos estímulos.

O papel das espinhas dendríticas na aprendizagem e na memória

A ideia de que as espinhas dendríticas estão associadas à aprendizagem e à memória foi testada em uma série de experimentos que monitoraram mudanças na estrutura das espinhas dendríticas em cérebros de ratos de laboratório e em fatias de cérebro. Nesses experimentos, os pesquisadores observaram as espinhas antes e depois da exposição à estimulação elétrica. A estimulação elétrica causou um fenômeno chamado potenciação de longo prazo (LTP na sigla em inglês) — a amplificação de longo prazo de um sinal elétrico ao longo de um neurônio cerebral, que fortalece a conexão entre neurônios vizinhos —, que se expressa como um aumento nas respostas do neurônio à estimulação elétrica e é gerado ao longo da árvore dendrítica (ver Figura 1).

Nos últimos 50 anos, a LTP tem sido estudada em milhares de experimentos que analisaram o cérebro inteiro, fatias de cérebro e células cerebrais cultivadas em laboratório. Em resumo, esses experimentos mostraram que o cérebro usa um mecanismo semelhante à LTP para gerar memória e, se esse mecanismo for desativado, a memória desaparece ou não pode ser adquirida.

Nossos achados de LTP em espinhas dendríticas após estimulação elétrica nos indicam que as espinhas assumem um papel importante na plasticidade sináptica. Da mesma forma, uma redução na atividade sináptica pode levar a um processo de Depressão de Longo Prazo (LTD), uma condição oposta à LTP, na qual a conexão entre dois neurônios é enfraquecida, levando à perda de conectividade e, eventualmente, à perda de memória. Nesse processo, espinhas dendríticas não ativadas podem encolher e perder seu parceiro sináptico (por exemplo, Figura 2, linha inferior).

De acordo com uma estimativa, existem entre 300 e 400 tipos diferentes de substâncias que entram e saem das espinhas dendríticas através de seus pescoços, algumas em um período de tempo muito curto. O movimento de algumas dessas substâncias pode ser controlado com ferramentas moleculares ou com certos fármacos. Controlar a passagem dessas substâncias pode alterar o tamanho e a forma da espinha dendrítica. Também é possível controlar a capacidade da espinha dendrítica de enviar e receber sinais elétricos, que são uma das formas de comunicação dos neurônios, mas devido ao tamanho minúsculo das espinhas dendríticas, os métodos que temos hoje não nos permitem medir suas atividades elétricas de forma direta ou confiável.

Esse problema de medição torna difícil para os cientistas determinarem o papel do pescoço na transmissão de mensagens da cabeça da espinha dendrítica para o neurônio.

O cálcio é uma substância importante encontrada em pequenas quantidades nas espinhas dendríticas. Além das muitas funções do cálcio no corpo, especialmente nos neurônios, ele também é responsável pela ativação de enzimas (moléculas biológicas que facilitam a transferência de mensagens de um neurônio para outro) que iniciam a transferência de mensagens de um neurônio para outro. Existem ferramentas laboratoriais sofisticadas que nos permitem medir com precisão a quantidade de cálcio nos neurônios e em suas espinhas dendríticas. Essas medições podem nos ajudar a entender como a cabeça e o pescoço da espinha se comunicam e podem nos dar uma imagem bastante precisa de como as espinhas dendríticas mudam sua forma e função.

Figura 2 – Espinhas dendríticas se alteram após estimulação elétrica.
(A) Antes da aplicação da estimulação elétrica ao neurônio pré-sináptico (azul), as espinhas dendríticas encontram-se em um estado calmo e equilibrado. (B) Após a estimulação elétrica ao neurônio azul, um fenômeno chamado potenciação de longo prazo (LTP) ocorre nas espinhas dendríticas, fazendo com que a cabeça da espinha se expanda inicialmente, aumentando o tamanho da membrana da espinha (vermelha) e levando à criação de novas espinhas. Em um processo oposto, onde a célula pré-sináptica cessa sua ação, ocorre um processo chamado Depressão de Longo Prazo (LTD), levando à eliminação das espinhas inativas em um processo chamado “poda”. (C) Canto inferior direito.

Quando pesquisadores observaram uma única espinha dendrítica exposta à estimulação elétrica, descobriram que, em uma fração de segundo, ocorre uma grande inundação de íons de cálcio na espinha. Como resultado, a cabeça da espinha pode inchar até 3 a 4 vezes seu tamanho original. Imediatamente após, há um fluxo de neurotransmissores para receptores na cabeça da espinha, o que aumenta a resposta da espinha à estimulação elétrica (Figura 2). Essa mudança, em um estágio posterior, em um processo que dura de minutos a horas, resulta na formação de novas espinhas dendríticas. Essas novas espinhas provocam uma conexão mais forte entre as células. Em outras palavras, no cérebro, o aprendizado se baseia tanto em uma mudança na força de resposta das espinhas dendríticas quanto na criação de novas espinhas. Dessa forma, a conexão entre as células que compõem a memória na rede neural é estreitada.

As espinhas dendríticas no envelhecimento e nas doenças cerebrais

Outro caminho para compreender a relação entre a aprendizagem e as alterações nas espinhas dendríticas é observar como as espinhas se alteram em um animal adulto à medida que envelhece. Como sabemos, à medida que os humanos adultos envelhecem, a memória diminui gradualmente. Esse processo não é o mesmo para todos: alguns idosos apresentam um declínio acentuado na memória, enquanto outros apresentam apenas um declínio moderado.

Essa diminuição nas funções cerebrais, incluindo a memória, é conhecida como declínio cognitivo. Um fenômeno semelhante também ocorre em animais de laboratório. Estudos identificaram uma correlação entre o declínio cognitivo e o número de espinhas dendríticas no cérebro de ratos de laboratório. Ou seja, à medida que a perda de memória dos ratos aumenta, o número de espinhas em seus neurônios também diminui. Isso não significa que a diminuição no número de espinhas cause declínio cognitivo, mas apenas que existe uma correlação positiva entre as duas observações. Mais estudos são necessários para confirmar e compreender completamente essas descobertas.

Outra área em que houve progressos interessantes no estudo das espinhas dendríticas é no caso de doenças do sistema nervoso. Em um dos primeiros estudos sobre o tema, pesquisadores examinaram neurônios no cérebro de pacientes com a síndrome do X frágil [2], uma doença que causa vários graus de deficiência mental, autismo e distúrbios de comunicação (entre outras). Descobriu-se que as espinhas dendríticas não se desenvolvem completamente no cérebro de pessoas com essa síndrome.

Embora esses estudos se concentrem em compreender a relação entre deficiências cerebrais e a estrutura das espinhas dendríticas, eles não conseguem explicar o processo que causa as deficiências. Para compreender completamente a relação entre espinhas dendríticas defeituosas e problemas de função cerebral, precisamos ser capazes de corrigir o problema, algo que ainda não somos [3].

Sumário e Conclusões

Compreender a estrutura e a função das espinhas dendríticas no cérebro é muito importante, mas também muito desafiador. Primeiro, o tamanho minúsculo das espinhas dendríticas dificulta seu acesso, e em cada neurônio existem dezenas de milhares dessas espinhas. Segundo, existem muitos tipos de espinhas dendríticas, e ainda não está claro qual é o papel de cada tipo. Além disso, há a grande questão sem resposta sobre a identidade da “unidade” de memória no cérebro e como ela funciona: as memórias são armazenadas em uma única espinha dendrítica, em uma única célula ou em um grupo de células conectadas entre si em uma rede neural?

Os pesquisadores só conseguirão responder a essa pergunta se conseguirem localizar uma determinada memória (por exemplo, da letra A) no cérebro; danificando a espinha dendrítica/célula/rede neural para verificar se apenas aquela memória específica é perdida — e não qualquer outra memória ou função. Se conseguirmos compreender como a estrutura e a função de uma espinha dendrítica individual se relacionam com o funcionamento de todo o cérebro, talvez também consigamos reparar espinhas específicas para restaurar a memória e tratar doenças relacionadas à memória, como o Alzheimer. As futuras gerações de neurocientistas enfrentarão esses desafios — talvez você seja um deles?

Glossário

Neurônio: A unidade elementar do cérebro. Contém a extremidade receptora (espinhas e dendritos), a extremidade transmissora (axônio) e a parte central, o soma, que controla a atividade de toda a unidade.

Espinha Dendrítica: Uma pequena estrutura oposta a um terminal pré-sináptico (extremidade) que recebe informações da célula pré-sináptica e controla o fluxo de informações entre as duas células.

Sinapse: A conexão entre dois neurônios, onde as mensagens são transferidas entre as células.

Neurotransmissor: Uma substância química que passa pela sinapse entre os neurônios e transmite sinais entre eles.

Rede Neuronal: Uma série de neurônios, conectados em uma rede que recebe informações de outras redes, modifica as informações e as repassa para outras redes. Uma rede pode consistir de dezenas a milhões de neurônios, que compartilham informações em uma região específica do cérebro.

Enzima: Uma proteína produzida por células vivas que ajuda a iniciar uma reação ou processo químico.

Potenciação de Longo Prazo (LTP): Amplificação de longo prazo de um sinal elétrico ao longo de um neurônio cerebral, que fortalece a conexão entre neurônios vizinhos.

Depressão de Longo Prazo (LTD): Uma condição oposta à LTP, na qual a conexão entre dois neurônios é enfraquecida, levando à perda de conectividade e eventual perda de memória.

Referências

[1] Sala, C., e Segal M. 2014. Dendritic spines: the locus of structural and functional plasticity. Physiol. Rev. 94:141–88. doi: 10.1152/physrev.00012.2013

[2] Telias, M. Yanovsky L., Segal, M., e Ben-Yosef, D. 2015. Functional deficiencies in fragile X neurons derived from human embryonic stem cells. J. Neurosci. 35:15295–306. doi: 10.1523/JNEUROSCI.0317-15.2015

[3] Bock, J., Weinstock T., Braun, K., e Segal M. 2015. Stress in utero: Prenatal programming of brain plasticity and cognition. Biol. Psychiatry. 78:315–26. doi: 10.1016/j.biopsych.2015.02.036

Citação

Segal M (2023) Dendritic Spines: How Memory Is Stored in the Brain. Front. Young Minds. 11:1016978. doi: 10.3389/frym.2023.1016978

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